Coquinho: a tradição do artesanato em família

Do site www.capitaldasnascentes.org vem esta matéria interessantíssima que aqui republicamos como homenagem ao amigo Coquinho pelos seus 50 anos de vida! Parabéns Coquinho!

De: Renato Rizzaro e Gabriela Giovanka (riodasfurnas@gmail.com)
Dos irmãos eu fui o único a cultivar a tradição da família, fazendo artesanato
Foto de Renato Rizzaro

15 setembro 2009

Se você perguntar pelo Evalidio Kreusch, ninguém saberá dizer quem é. Agora, o Coquinho todo mundo conhece! É o artesão de Alfredo Wagner.
De um terreno que era um buraco, construiu sua morada; de um simples presépio fez um evento; da música construiu sua casa; na doença, que não deu aposentadoria e queria arrancar suas pernas, deu um drible e transformou em trabalho, em presente. “Hoje em dia dou graças a Deus àquele que denunciou… porque só fui pra frente”.

Casado com Gisele Scheit, têm 3 filhos: Deise com 16, Carlos de 14 e Alexandre, 12 anos. Mora no Recanto da Arte, conhecido como a Casa do Papai-noel, no Estreito.

Esta entrevista é uma homenagem do Capital das Nascentes ao meio século de vida do Coquinho, o artesão-mór da cidade.

Boa leitura!

A chegada e a doença

Nasci em Leoberto Leal, em 15 de setembro de 1959 e vim para Alfredo em 1980, sozinho e solteiro. Trabalhei na ponte grande da BR (Ponte da Boa Vista) e depois trabalhei de pedreiro e foi no ano de 91 que eu casei. Continuei trabalhando de pedreiro, carpinteiro, eletricista também. No ano de 98 deu trombose nas minhas duas pernas… até eram pra ser amputadas. Fiz um tratamento caríssimo mas eu tinha um padrinho que pagou o recurso pra mim e consegui me reerguer de novo. Andei bastante tempo de muleta. Comecei o artesanato de muleta mesmo. Eu tava pagando o autônomo do INPS, mas não consegui me aposentar, nem me “encostar”. Fiquei só três meses “encostado”, por causa da operação, até que alguém daqui de Alfredo denunciou que eu estava fazendo artesanato, aí eles (INPS) cortaram. Continuei no artesanato, fui melhorando… Hoje em dia dou graças a Deus àquele que denunciou, porque só fui para frente com o artesanato.

O avô e as engenhocas

Em Leoberto Leal eu era Colono. Plantávamos cebola, feijão e fumo. Minha família é grande, somos em 16 irmãos. Nove em Blumenau e alguns continuam em Leoberto Leal. Saí com vinte anos de lá porque eu vi que a lavoura naquele tempo não dava e também eu já tinha esse problema nas pernas. Foi naquele ano que começou o problema de úlcera varicosa que depois virou trombose. Hoje, eu cuido para não piorar. De vez em quando dá uma piorada, aí, a gente controla de novo…

O artesanato é uma herança da minha família. O meu avô, pai da minha mãe, fazia muita engenhoca: roda dágua, essas máquinas de ventejar feijão… Tudo que é maquinário ele fazia, inventava.
Era o Sr. Augusto Heinz, nascido no Rio do Tigre em Angelina. Numa certa idade, já casado, ele foi pra Leoberto Leal. Trabalhava na roça, também, mas em dias de chuva fazia as engenhocas. Quando nós íamos lá na casa dele, eu ficava direto ajudando, de curioso. Achava bonito o que ele fazia, adorava o que ele fazia! Ele gostava muito de mim. Dos irmãos eu fui o único a cultivar a tradição da família, fazendo artesanato.

Meu avô tinha uma gaitinha, era músico, também e eu tenho a gaitinha dele comigo até hoje. Dois dias antes dele falecer fui visitar, estava sentado na cama com a gaitinha do lado. Conversou bastante comigo, foi uma despedida…

A construção da casa, as árvores e os passarinhos

Fazem vinte anos que eu fiz a minha casa, fiz tudo sozinho. Isso aqui era um buraco, tudo arrebentado pelo rio. Então aterrei com pedra puxada com carrinho de mão e depois botei a terra por cima, para plantar as árvores e fazer a minha casa. Trabalhei quase um ano puxando pedra, depois que eu chegava do serviço, até tarde da noite.
Aqui em cima tinha uma represa e depois, por causa das enchentes, “estouraram” essa represa para não dar muita água na cidade. Achavam que resolvia o problema, só que piorou! Até levou um pedaço de uma vila inteira naquela enchente de 93. Aquela foi um desastre!
Eu já tinha a minha casa aqui no Estreito. Entrou água e até fez um pouco de estrago porque as árvores eram pequenininhas, ainda naquele tempo. Agora não tem mais problema, as árvores estão todas grandes.

Toda a árvore da redondeza que eu via, que dava “bagas” eu ia plantando, para ter os passarinhos em volta da casa. Agora tem bastante: tucano, gralha-azul, pombinhas da capoeira, saracura. Jacú também tem; sabiá uns quantos tipos: branca, coleira, laranjeira e tem a sabiá-marrom que faz pouco tempo que apareceu, dizem que é lá do Nordeste, não sei se é.

Os passarinhos fazem ninho todo ano aqui. Até tem uma saíra, aquela que é azul por cima e amarela por baixo (gaturamo) que faz ninho no xaxim, ali na frente da casa do papai-noel. Teve uma colerinha que fez sete anos seguidos seu ninho num pé de pêssego, toda época de natal ela tinha o ninho, a gente ia lá coçar a cabeça dela com os dedos e ela não saia do ninho.

O Recanto da Arte e a Casa do Papai-noel

Com o artesanato comecei tudo do zero de novo. Comecei fazendo vaso, casinha de passarinho, tratador. Porque eu pensava que aquele que botar um tratador de passarinho vai cuidar. Fiz umas casinhas bem bonitas e todo mundo se interessou e foi comprando. Antes eu via tanta gurizada com funda na mão atrás dos passarinhos, e dali pra frente começou a dimimuir. O pessoal foi comprando as casinhas pra botar na casa pros passarinhos fazerem ninho e não deixavam mais espantar os bichinhos.

Fiz muitos brinquedos também, trator, caminhãozinho…

No natal de 98, logo no primeiro ano em que comecei com o artesanato, fiz um presépio no jardim e a vizinhança começou a visitar. Foi se espalhando e em 99 deu bastante visitação. Isso já era tradição na casa do meu avô, Seu Aldílio Kreusch. Todo ano ele fazia um pinheirinho enfeitavo e todo mundo se reunia na casa dele, eram os parentes, os vizinhos…

A Casa do Papai-noel eu fiz em 2002, pensando na tradição da minha família.
Primeiro eu até pensei em fazer uma casa pra botar as máquinas da minha indústriazinha de brinquedo. Mas então comprei o material, comprei costaneira, que era barata, e fiz a Casa do Papai-noel. Como no primeiro ano já foi um sucesso eu pensei “vou deixar”. E está aí até hoje.

A Festa da Cebola

Na Festa da Cebola eu sempre participo na modalidade originalidade. Faço a maquete, desde a plantação até a colheita da cebola e monto lá. Quem tem a maquete mais perfeita é o escolhido e ganha a premiação. Eu já participei três anos. No primeiro ano tirei em primeiro lugar, no segundo tirei em segundo lugar por causa de um gramadinho que eu botei artificial porque não consegui daquela grama miúda, daí me perdi, tá certo (risos). No terceiro ano consegui a grama, fiz tudo, e tirei em primeiro lugar de novo.

Música dos “Alfredenses”

Quando eu vim pra cá, também comecei a comprar alguns intrumentos e a tocar nos bailes do interior. Eu e mais o meu parente, irmão da minha mãe, Valdir Heinz. Eu parava na casa dele, pagava pensão. Ele sabia tocar também. Juntamos mais uns e formamos um conjuto chamado “Os filhos de Alfredo Wagner” e depois mudamos o nome do conjunto, que foi crescendo, para “Os alfredenses”.

Tocamos muito lá para Rancho Queimado, Angelina, Anitápolis, São Bonifácio, São Martinho, Bom Retiro e Urubici, nos bailes das festas de igreja.
Eu até tenho a banda guardada ainda!
Tocava guitarra, de vez em quando tocava o contrabaixo e quando os outros saíram eu passei para sanfona. O Valdir Heinz tocava sanfona; o Nardeli Scheit, meu cunhado, bateria; e o Placendino dos Santos , conhecido como Dino, a guitarra também, mas depois ele saiu. E tinha a mulher do Valdir que era a Leci Schaefer, ela cantava e tocava contrabaixo. Éramos em cinco.

Tocávamos músicas de bandinha, alemã e regionalista. Naquele tempo para tocar num fim de semana, um baile e tarde dançante, nós cobrávamos cinco salários. Era dinheiro pra caramba!
Eu trabalhava de pedreiro e carpinteiro e no final de semana saia pra tocar. Fiz a minha casa toda com o dinheiro da música.

Tive que parar a banda por causa do meu problema de saúde e também porque o Valdir foi morar lá pra Floripa, então ficou tudo desencontrado.

Família que trabalha unida…

No pátio onde agora é a casa do Papai-noel, comecei a trabalhar com as pedras do rio, fazendo chafariz, floreira, aquário…
O artesanato que eu faço é das sobras de madeira que pego nas serrarias. As vezes tem uma árvore que cai no mato com o vento, aí o pessoal já me avisa “Coquinho, tem uma árvore pra ti pegar, aproveitar pra fazer alguma coisa”. Aí eu vou lá buscar. Na verdade a gente não precisa derrubar nada, só o que tem caído, aproveitando, dá pra se manter tranquilo.

Todos os meus filhos ajudam a fazer artesanato, tem um que está entalhando as placas de time de futebol e não dá conta de fazer. O dinheiro que eles ganham é deles.

O pessoal vem comprar aqui. Eles ficam sabendo do meu trabalho por causa da visitação na época do Natal. Tem placas, que eu produzi, em São Joaquim, Lages, Vidal Ramos, Imbuia, Ituporanga, Rancho Queimado, Santo Amaro. Durante o ano eu trabalho mais com essas encomendas de placas, mas também vou produzindo para amontoar pro Natal. O Natal é a minha colheita, a minha safra.

Nós também temos uma lojinha, na frente da casa, para vender o artesanato e os produtos que a minha mulher faz: licores, doces e conservas.

Os turistas e a cultura

Esses tempos eu recebi – veio uma Van – dez pessoas da Noruega que estavam em Florianópolis e vieram pra cá. Da Itália até teve uma família que veio nos visitar e ficou para jantar. E no final de agosto tinha mais uma família da Itália aqui. Da Inglaterra também já veio gente, até da China veio um, a sorte é que o cara que estava junto com ele falava duas línguas, senão não ia dar certo não (risos).
Os alemães já vieram bastante aqui.
Eu falo alemão, hoje em dia até me atrapalho, mas quando eu parava em casa do meu pai falava direto.

Os turistas que vêm são todos bons de “lutar”, eles se admiram muito! Mas o povo da cidade ainda não entende tanto do turismo, não está adaptado para o turismo. Precisava descobrir melhor a cultura do povo daqui. O nosso povo é muito misturado, aí não tem uma cultura definida.

Seria preciso fazer mais eventos, uma Festa Italiana ou uma Festa Alemã, por exemplo, para que o turista venha mais pra cá.

Entrevista e transcrição: Renato Rizzaro e Gabriela Giovanka

Trabalhei quase um ano puxando pedra, depois que eu chegava do serviço, até tarde da noite. Foto de Renato Rizzaro

Foto de Renato Rizzaro Coquinho: tem uma árvore pra ti pegar, aproveitar pra fazer alguma coisa!