História Memória

O Padre que visitou Alfredo Wagner

Muitos sacerdotes e bispos passaram por estas terras alfredenses e todos acrescentaram algo de bom nos anais da nossa história. Muitos foram esquecidos, como o padre xará da nossa cidade. Todos estes sacerdotes, de alguma forma, foram representados na figura do Frei, um dos personagens do livro recentemente publicado por Carol Pereira, “As aventuras de Eva Schnider” que comentei em artigo recente: http://jornalaw.com.br/2017/08/13/espero-que-vivas-muitas-aventuras-ao-lado-de-eva/

Hoje vamos falar de um sacerdote em especial. Estou me referindo ao Pe. João Alfredo Rohr, (1908-1984), jesuíta, arqueólogo, considerado com toda justiça o “Pai da Arqueologia Catarinense”. Sua vida religiosa, profissional e intelectual foi atuante, tendo produzido e deixado muitos frutos.

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Uma de suas obras “0 Sitio Arqueológico de Alfredo Wagner, SC” publicado na revista Pesquisas 1967 relata o trabalho desenvolvido no município nas pesquisas arqueológicas por ele e sua equipe. O texto da revista não está disponível na internet, assim que tivermos acesso ao exemplar da obra, aqui publicaremos um artigo completo.

Mas, quem foi o Pe. Rohr? Passo a palavra ao site http://www.anchietano.unisinos.br/equipe/Rohr/rohr.htm que publicou sua biografia:

Padre João Alfredo Rohr, S.J 18/09/1908  21/07/1984.

Gaúcho, natural do Município de Arroio do Meio, filho de agricultores em uma família religiosa,

Sua formação se realizou em seminários do Rio Grande do Sul: o ginásio em Pareci Novo e São Leopoldo (1921-1926), o noviciado (1927-1928) e Estudos Humanísticos (1929) em Pareci Novo, Filosofia (1930-1932) e Teologia (1937-1940) novamente em São Leopoldo, e mais um ano (1941) em Pareci Novo.

Entre a Filosofia e a Teologia (1933-1936), fez suas primeiras experiências como educador no mesmo seminário menor em que ele estudara, em São Leopoldo, dando aulas de Aritmética, Italiano e História Natural e respondendo pelo Museu do Seminário, que reunia amostras do reino mineral, vegetal, animal e humano. O futuro estava-se delineando e o museu nunca mais sairia de sua vida.

Nenhum estágio ou curso foi realizado fora dessas instituições jesuíticas, dotadas de professores de origem alemã e italiana, com filosofia educacional moldada por tradicionais padrões europeus. Delas saíam personalidades com sólida formação geral, capazes de se engajar em qualquer uma das obras que a Companhia de Jesus mantinha na cidade e no campo.

Durante estes anos, João Alfredo avançou também na carreira religiosa: em 1927 tornara-se jesuíta, em 1929 fez seus primeiros votos religiosos, em 1939 se ordenou sacerdote, em 1941 completou a formação. No ano seguinte, com 33 anos, foi destinado ao Colégio Catarinense, onde viveu e trabalhou 42 anos, até a sua morte em 1984.

O colégio era, naquele tempo, uma comunidade educacional, na qual conviviam, debaixo do mesmo teto, 24 horas do dia, 7 dias da semana, o ano inteiro, educadores, educandos e auxiliares de educação e administração. As atividades abrangiam horas de aula, de estudo, de vivência religiosa, de lazer e de experimentação. P. João Alfredo participou nessa comunidade em todas as posições requeridas: como professor, como regente de classe e de divisão, como administrador, como assistente religioso e confessor, como criador de cultura e pesquisador, até como transportador. Esta era uma comunidade fundamentalmente masculina, onde a disciplina, mais que a amizade e a liberdade, eram a característica básica. Era uma comunidade implantada na cidade, à qual servia, e por isso suas atividades refluíam naturalmente para grande parte da população circundante.

Uma das tarefas que foram atribuídas ao P. João Alfredo nesta comunidade foi o ensino, que se estendeu de 1942 a 1964, abrangendo as matérias de Física, Química e História Natural, preparadas sempre com muita seriedade. Ele escreve: “Durante 17 anos jamais levei um livro de texto para a aula, mas dei todas as aulas de Química, Física e Ciências Naturais de cor.” E aqui, outra vez, aparece o Museu.

Escavação Ilha dos Rosas, Antonina/Paraná. Com Annette Laming-Emperaire, Pe. Rohr e Ana Maria Beck, 1966. Foto Kozak - Arquivo Pe. Schmitz.
Escavação Ilha dos Rosas, Antonina/Paraná. Com Annette Laming-Emperaire, Pe. Rohr e Ana Maria Beck, 1966. Foto Kozak – Arquivo Pe. Schmitz.

Depois de 22 anos de magistério, as aulas lhe foram retiradas, por um equívoco. O grande sofrimento conseqüente não o fez parar, nem pedir transferência para outra comunidade, mas investir as suas forças na pesquisa, que o tornou famoso em todo o Brasil e muito além de suas fronteiras. Hoje, pode-se dizer, sem medo, que ele foi o arqueólogo que mais escavou no Brasil e cujos trabalhos foram lidos e apreciados por maior número de pessoas, arqueólogos e, especialmente, por não-arqueólogos.

Com as grandes escavações ganhou novo destaque o museu. Este tinha começado como uma reunião variada de materiais curiosos, como eram, então, os grandes museus do mundo. Em 1954 o museu teve o acréscimo de um setor de etnologia, com materiais dos índios Botocudos de Santa Catarina. Em 1955 foi acrescido um orquidário, que foi uma das ocupações preferidas de P. Rohr. Logo cresceu o material arqueológico com o trabalho de campo e aquisição de coleções e a instituição passou a se chamar “Museu do Homem Americano” (1963), nome substituído, em 1965, por “Museu do Homem do Sambaqui”, que finalmente teve o acréscimo de “Padre João Alfredo Rohr, S.J.” Quando não estava no campo, ele vivia numa antiga casa, limpando, etiquetando, restaurando e estudando o material. Ali tinha sua cama; ali morreu depois de entregar seu último texto para ser publicado pela Universidade Federal de Santa Catarina e pedir ao jovem que o ajudava no museu que apagasse a luz.

O museu mantém, parcialmente, as características de seu crescimento e se compõe, hoje, de um setor de arqueologia, no qual estão expostos materiais de suas pesquisas; de material etnográfico dos Botocudos; de animais empalhados, conchas e fósseis; de uma amostra mineralógica; de uma coleção de moedas e de um pequeno conjunto de vestes e objetos litúrgicos em uso até a década de 1960. Como em qualquer outra instituição do gênero, a maior parte dos materiais encontra-se guardada na “reserva técnica”, na qual se revezam pesquisadores de várias instituições, estudando especialmente a grande coleção de esqueletos humanos.

Depois de ser liberado das aulas, P. Rohr passava meses escavando, todos os anos. Para ficar próximo do sítio arqueológico alugava uma casa, onde vivia com seus ajudantes, que geralmente eram alguns alunos da Faculdade de Arqueologia da Universidade Estácio de Sá, do Rio de Janeiro; raramente uma mulher. A rotina diária não mudava: dormia cedo, levantava com o canto do galo para rezar, depois envergava o macacão cinza com mangas, amarrava o lenço ao pescoço, calçava as botas gaúchas e cobria a cabeça com um capacete de explorador. Ele mesmo fazia a escavação, anotava, desenhava e fotografava o material e o recolhia com muito cuidado. Seu maior cuidado eram os esqueletos humanos; muitos ele cimentava para levá-los inteiros ao museu. Embora se ocupasse muito seriamente com a localização e proteção de todos os sítios arqueológicos do Estado de Santa Catarina, sua preocupação principal eram os esqueletos. Por isso, quando em algum sambaqui se anunciava o aparecimento de esqueletos, ele se dirigia para lá e se possível instalava uma escavação. No salvamento de esqueletos e sítios arqueológicos mais de uma vez foi ameaçado de morte. Ele mesmo preparava as refeições para si e para seus ajudantes; elas consistiam de um cozido em que ele misturava, na mesma panela, elementos muito variados.

Pântano do Sul (Ilha de Santa Catarina - SC) Arquivo Pe. Rohr.
Pântano do Sul (Ilha de Santa Catarina – SC) Arquivo Pe. Rohr.

Se perguntarmos como ele sustentava a sua pesquisa e o jeep com que se movimentava por todo o estado de Santa Catarina, teremos como resposta que, por um lado, ele era muito econômico e, por outro, que o CNPq (Conselho Nacional de Pesquisas) lhe mantinha uma bolsa de chefe de pesquisa, que não rendia grande coisa, mas atendia a todas as necessidades básicas.

Não toda a sua vida era arqueologia. Com apenas quatro anos na instituição, P. João Alfredo foi nomeado Reitor da Comunidade e Diretor do Colégio Catarinense, cargos que ocupou durante seis anos. A comunidade se compunha, então, de 12 padres, 6 estudantes jesuítas, 9 irmãos coadjutores e 14 professores leigos. Os alunos eram apenas 566, dos quais 108 eram internos e 458 externos, distribuídos entre o curso preparatório (52), o ginasial (405) e o colegial (112). As construções eram consideravelmente inadequadas para um atendimento adequado, o que levou o P. João Alfredo a duplicá-las, construindo uma nova ala e aumentando o piso existente, criando, com isso, a fachada que caracteriza o colégio até hoje. Nesse tempo ele foi Presidente do Sindicato de Estabelecimentos de Ensino Primário e Secundário de Santa Catarina (?).

Há outro fato notável na vida de Rohr como administrador. Buscando um espaço adequado para retiros, encontros, cursos da comunidade educacional e da população em geral, ele comprou o Morro das Pedras, junto à Lagoa do Peri, no Sul da Ilha, onde construiu, sobranceira ao mar, a Vila Fátima. Conta a lenda que, como o proprietário não queria vender o terreno para os padres, João Alfredo se apresentou como um gaúcho interessado na posse de uma chácara. E comprou.

O colégio tinha uma chácara, fora de Florianópolis, na qual viviam dois irmãos jesuítas, que abasteciam a residência e o colégio com artigos de primeira necessidade. Todas as manhãs bem cedo, durante décadas, P. Rohr se dirigiu para lá, de caminhão, para rezar missa, levar mantimentos e trazer o leite para a casa.

Desde anos a Comunidade atendia os pobres da cidade no portão do Colégio, dando-lhes feijão, arroz e pão. Com a morte do fundador, João Alfredo assumiu este atendimento.

Também sua atividade pastoral com a população da Ilha não era pequena. De 1942 a 1943 foi capelão do Orfanato, que ficava próximo do colégio; de 1943 a 1947 era capelão da Chácara do Puríssimo Coração (irmãs ?); durante quase quarenta anos deu catequese e dirigiu a Congregação Mariana no povoado de Córrego Grande, que, em vida, queria colocar o seu nome na escola local. Por muitos anos também foi assistente espiritual da Congregação Mariana da Escola Industrial, que se reunía todas as sextas-feiras na capela do Colégio. Mesmo quando ficava mais tempo em trabalhos arqueológicos, não esquecia seus compromissos pastorais.

P. João Alfredo Rohr era um jesuíta do seu tempo, no limiar de um tempo novo.

Do seu tempo: Levava vida retraída, não escutando rádio, nem assistindo sessões cinematográficas ou musicais. Tampouco perdia tempo com longas conversações. Assim ganhava tempo para o estudo e o recolhimento (são palavras suas). Contava apenas com a formação comum de todo jesuíta, em Humanidades, Filosofia e Teologia, sem nenhum diploma universitário para o trabalho que mais o destacou, a Arqueologia. Como ele havia, então, nos colégios, diversos outros jesuítas que se distinguiram por seus estudos na Botânica, na Biologia, na Geografia, na Química, na Física, na Astronomia, além dos campos das Ciências Humanas. Antes que se multiplicassem as universidades, os colégios da ordem eram verdadeiros centros de Cultura e seu desenvolvimento e consolidação não dava muitas folgas a seus membros para pensar em cargos universitários. Também havia todo o atendimento cultural, espiritual e humanitário à comunidade. Na divulgação de suas pesquisas Rohr dedicava mais tempo à divulgação popular do que à composição de áridos trabalhos científicos. Com isso a repercussão popular era muito grande e o levou a membro do Conselho Estadual de Cultura.

No limiar de um tempo novo: Para fundamentar suas pesquisas ele acompanhou todos os cursos e estágios que pesquisadores estrangeiros vinham oferecer no Brasil e se fez amigo deles na busca de recursos financeiros. Ele incorporou em sua pequena equipe de campo alunos do único curso de arqueologia que se implantava no Brasil, buscando transmitir-lhes seu conhecimento. Ele participava dos simpósios anuais que diversas instituições começavam a promover no Sul e Sudeste do Brasil. Mas ele não se candidatou como membro da Sociedade de Arqueologia Brasileira, fundada em 1980, que era a modernidade, sendo então proclamado sócio honorário, em reconhecimento a seu trabalho. Esta sociedade oferece em cada reunião bianual o Prêmio Padre João Alfredo Rohr a um arqueólogo, que se tenha destacado na pesquisa e proteção de sítios arqueológicos brasileiros.

Sua atividade constante de educador, professor, administrador, sacerdote, homem de ciência e cultura deixou uma larga esteira no coração de centenas de milhares de pessoas que o conheceram pessoalmente ou através de seus numerosos e bem feitos escritos.

Mais informações sobre sua vida e obra podem ser encontradas na Revista Pesquisas, Antropologia, nº 40.