Juliano Norberto Wagner
Nesta edição, dou continuidade ao assunto principiado no mês de abril: o Campo dos Padres. Por que a cordilheira, que se estende desde o Rio Grande do Sul até o norte de Santa Catarina recebe, nos municípios de Alfredo Wagner, Anitápolis, Bom Retiro e Urubici, esse nome? Quem foram os primeiros proprietários e a abertura dos primeiros carreiros serão temas também abordados.
O topônimo “Campo dos Padres” alude à possível permanência ou passagem de missionários jesuítas pelo cume da Serra, provavelmente tentando se refugiar de perseguidores. Com uns doze anos de idade, eu passava as tardes na Biblioteca Municipal Castro Alves buscando angariar informações sobre os sugestivos sacerdotes. A historiografia acerca do tema é parca, e quanto mais eu procurava, mais dúvidas ia acumulando. Certo dia, a então bibliotecária, Mila, me apresentou um livro intitulado “O tesouro do Morro da Igreja”. Fiquei atônito, não vendo a hora de devorá-lo com minha leitura. Folheei-o, encontrei vários contos, semelhantes aos que eu já ouvira em Alfredo Wagner, mas nada de concreto pude achar. Nenhum relato, nenhum registro que comprovasse a presença dos religiosos naquelas plagas, nada. Durante anos, meu conhecimento sobre o assunto se restringiu a casos e lendas.
Com o advento da internet, surgiram, enfim, os aguardados registros documentais contemplando os “padres do Campo dos Padres”. A UFSC publicou um texto, que foi apresentado num simpósio sobre a permanência jesuítica em Santa Catarina. Numa de suas volumosas páginas, há uma tímida menção a padres que passaram pela Serra Geral, no ano de 1609. Noutro site, de Urubici, informa-se, também com base em documentos, a estadia de missionários sobre a cordilheira. Esses dados foram captados na própria Companhia de Jesus – antiquíssima ordem religiosa à qual estavam vinculados os sacerdotes que, estima-se, tenham estado na montanha.
Certo é que, por muito tempo, a região esteve praticamente erma, destituída até de bugres! Em todo o nosso município foram achados utensílios indígenas, porém, eu nunca soube de que, lá em cima, fosse encontrada uma ponta de flecha sequer! Nada que comprovasse a presença humana na Serra durante o período da pré-colonização. Indícios de ocas? Nenhum. Tampouco de extintas fogueiras.
A conquista do Campo dos Padres pelos colonizadores constituiu quase que uma epopeia. O primeiro proprietário foi João Conrado Schmidt, o Conorato. Comprou as terras provavelmente da Companhia Colonizadora Catarinense, e edificou um singelo ranchinho no lugar denominado “Campo Chato”, isso em meados dos anos 20. A primeira via de acesso aberta, até hoje utilizada, partia da Costa da Serra, no Caeté. Conorato, seus filhos Doia e Florinho e empregados enxergavam estranhas visagens lá em cima: de longe, avistavam, nas lombas, vultos de pessoas vestidas de negras batinas. Na medida em que se aproximavam, os vultos iam sumindo. Seriam miragens ou algum fenômeno sobrenatural? O Campo Chato é, até hoje, reconhecidamente tido como mal-assombrado, e em meados dos anos 80, estranhos acontecimentos foram lá presenciados por pessoas que até hoje vivem e os confirmam.
Em fins da década de 1920, adquiriram o terreno, em sociedade, Jorge Franz – genro do velho Conorato – e o imigrante árabe Jorge Nemen (cujo sobrenome era Boabaid e a nacionalidade, síria ou libanesa). Os sócios logo trataram de abrir um novo carreiro que ascendesse à serra a partir da Pedra Branca. Foi uma tarefa hercúlea! Todos os dias, de madrugadinha, munidos de facão, foice, machado, picareta e enxadão, os dois “Jorges”, na companhia de Cristiano Hamann e Augusto Marian – estes pagos para lhes ajudar, rumavam em direção à montanha na tentativa de achar um local por onde pudessem, montados em suas mulas, conduzir seguramente tropas de gado. Nalguns dias, avançavam consideravelmente, mas quando imaginavam ter descoberto o traçado ideal para a via, deparavam com um perau ou outro empecilho. Todos os dias, ao regressarem da desgastante obra, os homens eram conduzidos por seu Augusto à sua casa, onde lhes hospedava. Sua esposa, Cristina Hamann, os esperava com farta alimentação. Os três, acompanhados de algum ajudante, discorriam entusiasmados sobre a missão, admirando-se cada vez mais, na medida em que iam alcançando o cume. O pequeno Osvaldo, filho de Augusto e Cristina, escutava atenciosamente as histórias narradas pelos aventureiros, e ia se achegando para perto do seu Jorge Franz, que apreciava muito crianças. Jorge o pegava no colo, e ao som das empolgantes narrativas, o menino rapidamente adormecia.
Depois de duas semanas de trabalho errante, finalmente encontraram o traçado certo, saindo no famoso “Facão” – singular acidente geográfico onde as serras da Pedra Branca e do Campo dos Padres se encontram, afunilando-se por uns 300 metros de extensão, sempre a uma largura de, no máximo, quatro metros. Escolhida a rota, o próximo passo era adequar o carreiro para o trânsito de mulas e tropas de gado, alargando-o, retirando árvores e pedras. A estrada, até hoje usada, ficou constituída de 78 curvas!
Jorge Franz foi dos primeiros contempladores do Campo dos Padres. Ao chegar a sua residência, no Estreito (onde hoje mora D. Olga Franz) descrevia maravilhado as belezas e particularidades da região. Levou consigo, por várias vezes, os filhos homens, preparando-se com abundantes mantimentos: charque, feijão, linguiça, toucinho. Dizia à caçula, Olga: “Ah, quem pudesse te levar lá, minha filha! Dá pra ver longe… É tão lindo que nem dá vontade de voltar!”.
(Continua na próxima edição)
Informações transmitidas, ao longo dos anos, por:
Nelito João Franz (in memoriam)
Osvaldo Marian (in memoriam)
Baldevino Marian (Ite)
Nazareno de Cesaro Nanon
Olga Franz
Quirino Iung
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