Agricultura constrói cidades promissoras
Produtores com espírito empreendedor transformam áreas antes improdutivas em municípios com boa qualidade de vida
O início foi uma área de três mil hectares em Sapezal, no norte mato-grossense. Hoje, são 14 mil hectares de soja na primeira safra e, na segunda, 8,4 mil hectares de algodão, mil hectares de milho, outros 300 hectares de girassol, além de feijão. Mas o xodó mesmo são as 13 mil cabeças de gado de corte. “O pessoal precisa ficar atento. Esses boizinhos são a terceira safra. E a mais lucrativa”, ensina o produtor Inácio José Webler, no alto de seus 70 anos e com muita disposição para atuar na mais recente atividade.
Assim como seo Inácio, outros produtores com o mesmo espírito empreendedor deram início a cidades hoje bastante promissoras no Brasil. É o que mostra o estudo da Kleffmann, com base no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) dos municípios, entre 1970 e 2010. O índice mede a qualidade de vida da população nas cidades. Nas regiões onde o agronegócio é a base da economia, toda a sociedade foi positivamente influenciada com ganhos consideráveis na qualidade de vida. Na avaliação por culturas, o maior crescimento do IDH ocorreu em áreas produtoras de algodão. Nesses municípios, a evolução média foi de 131% – o índice passou de 0,306, em 1970, para 0,707, em 2010.
“O algodão alavancou o crescimento de Sapezal”, afirma seo Inácio. Segundo ele, os produtores foram para o município atraídos pelo plantio da soja, mas o algodão – por ser um produto com bastante valor agregado – realmente fez a diferença no desenvolvimento local. “Culturas de segunda safra como milho, girassol e feijão também ajudaram porque é muito bom para o produtor conseguir ter duas safras no ano”, acrescenta. A renda ajuda não só os produtores, mas também o comércio e os funcionários do setor, que têm um salário médio em torno de R$ 3 mil e, dependendo da função, pode chegar até a R$ 7 mil, conforme dados do Sindicato Rural de Sapezal.
Seo Inácio conta que foi pela primeira vez para Sapezal em 1981 para conhecer as terras. Comprou três mil hectares e, na época, não havia estrada ou qualquer infraestrutura. “Quem vê hoje não consegue imaginar como era aqui naquela época”, lembra. Com apenas 20 anos de emancipação, Sapezal conta atualmente com cerca de 22 mil habitantes, ruas planejadas, hospital, clínicas, comércio pujante (são 700 microempreendedores e cerca de 400 estabelecimentos comerciais). O IDH do município teve um salto de 115% entre 1991 e 2010. Saiu de um índice de 0,34 para 0,73, que o posicionou como o segundo no ranking dos 10 municípios produtores de algodão com maior área plantada da cultura em 2010.
Nascido no Rio Grande do Sul, seo Inácio foi suinocultor em Toledo (PR) antes de plantar arroz (para abrir áreas), soja e algodão em Sapezal. “No início da década de 1990, plantava no Paraná e no Mato Grosso, mas em 1993 vim definitivamente para cá com a família. A terra aqui tem argila e boa topografia, características que mostraram o potencial para agricultura”, diz. Somado a um clima favorável, o desempenho nas terras do grupo Webler, que conta ainda com armazéns gerais e algodoeira, é de tirar o chapéu. A produtividade média foi de 56 sacas por hectare de soja na safra 2013/2014. A média dos primeiros plantios foi de 20 sacas por hectare do grão . “A gente já conseguiu até 80 sacas, mas não é a média”.
Para seo Inácio, além do clima e topografia, o que ajudou muito os produtores foi a tecnologia, com o desenvolvimento de variedades adaptadas à região. Para ele, Sapezal tem potencial para produzir mais e ainda encaixar outra safra na renda do produtor. “A pecuária deve crescer bastante e ficar mais forte. O agricultor será o pecuarista de amanhã. Para isso, a integração lavoura-pecuária é muito importante. Os bois são a melhor colhedeira e ainda ajudam na adubação da terra”.
Um dos primeiros a chegar a Sapezal, o produtor Ricardo Roberto sentencia: “Onde tem agricultura, tem progresso, riqueza”. Ele conta que chegou no dia 7 de setembro de 1980, às 17 horas. Aos 70 anos e com uma memória admirável, seo Ricardo descreve com riqueza de detalhes sua chegada às terras mato-grossenses. “Não tinha nada, nem mesmo água. Era tudo muito difícil. Nós tínhamos que comprar açúcar e sal em Tangará da Serra (a cerca de 290 km) em estrada de terra. Nós comíamos o que plantávamos: feijão, abóbora, milho, batata”, diz. Ele vendeu 100 hectares no Rio Grande do Sul e comprou dois mil hectares em Sapezal. “A terra era baratinha e tinha que dar certo, porque vendemos tudo”.
Para seo Ricardo, o crescimento do município deve-se à coragem e ao trabalho dos colonos, que acreditavam na produção e tinham o desejo de oferecer uma vida boa para os filhos. “Meu pai dizia para os 14 filhos, ‘eu dou o fermento e vocês amassam o pão’. E foi isso que fizemos. Todos estudaram”, conta. Com esse espírito, seo Ricardo transformou seus dois mil hectares em terras altamente produtivas. Saiu de uma produtividade de 25 sacas de soja por hectare até chegar à média atual de 55 sacas por hectare. “Depende da tecnologia empregada, da variedade e da semente, que precisa dar grãos com mais proteína para valer a pena”, observa.
As primeiras lavouras foram de arroz. “Dava um grão bonito e ótima produtividade. Eu era chamado de o rei do arroz”, conta seo Ricardo com um sorriso de quem sente orgulho do que faz. A soja começou a dar dinheiro há cerca de cinco anos. “No começo tínhamos que levar a soja para vender em Tangará da Serra e depositar no armazém do governo, que pagava o preço mínimo. Sofremos muito na época, porque os custos acabavam ficando maiores que o ganho”.
Hoje, além da soja (primeira safra), seo Ricardo também planta milho e milho-pipoca na safrinha. “A gente chega a colher 120, 150 sacas por hectare de milho. É uma safra normal. A colheita do milho-pipoca este ano foi de 78 sacas por hectare – apesar de o custo de produção ser de 58 sacas – ou seja, vale a pena. O custo é alto porque precisamos ainda levar até Campo Novo do Parecis (cerca de 100 quilômetros) para ser escoado. É bonito de ver. São seis ou sete carretas de milho-pipoca saindo da propriedade por dia”, conta.
“Tudo o que eu consegui – trator, colhedeira, armazéns – veio desta terra. Fazendo e trabalhando sério para ficar cada vez mais produtiva”, diz seo Ricardo. Ele ficou quatro anos em Sapezal sem conseguir financiamento para custear a produção sob alegação, dos bancos, que não era possível produzir nessas terras. Nesse período viveram com o salário de professora da esposa. Na época, ano 1982, os juros do empréstimo eram de 3% ao ano, mas muitas pessoas não pagavam. “Um dia fui conversar com o gerente de um banco, isso em 1984, que me ofereceu um crédito com juros de 35% ao ano. Aceitei. Fiz uma lavoura de arroz bem caprichadinha como a agronomia manda: correção de Claudio Scariote: presidente do sindicato rural de Sapezal solo com calcário, adubação, uso correto de fungicida, enfim tudo certinho. No final, colhi uma boa safra e fui lá e paguei tudo. Isso é que vale a pena em nossa vida. Ter o nome limpo, fazer tudo certo”, diz.
Segundo seo Ricardo, quando ele e outras famílias chegaram a Sapezal não havia nada. “Fomos nós, agricultores, que fizemos a cidade. Eu me considero o décimo morador de Sapezal. E vivíamos ‘ilhados’. Então o seo Pedro Muffato ofereceu 50 hectares (doação) para formar uma vila, no entanto o Sr. André Maggi pediu para esperar uns dois anos para que pudesse ajudar neste início, e assim aconteceu. Nós só pensávamos em trabalhar e em trazer progresso”. Ele lembra da primeira casa construída na cidade, do mercadinho e, aos poucos, do progresso que foi acontecendo. “Mas foi tudo muito ligeiro, porque os produtores precisavam de máquinas. Então vieram as principais marcas para cá: Massey Fergusson e Ideal, posteriormente também vieram New Holland, Case e John Deere. Aí ficamos no céu porque tínhamos a assistência técnica, peças e mecânicos perto de nós”, conta.
Desbravadores
Presidente do Sindicato Rural de Sapezal, Claudio Scariote chegou à cidade em 17 de julho de 1983 para abrir as áreas compradas pelo pai em 1976. A família morava em Vitorino, na divisa entre Paraná e Santa Catarina, e o irmão mais velho e ele foram para Sapezal “desbravar” as terras. “Começamos com arroz e, no segundo ano, plantamos 45 hectares de soja, mas as sementes da variedade Tropical, na época, eram ruins. Hoje a soja é o carro chefe. São 3,4 mil hectares do grão e, na segunda safra, plantamos o milho em cerca de 70 a 80% dessa área”, diz. O milho segunda safra começou a ser plantado em 2002 e inicialmente ocupava apenas 10 a 15% da área. “Fomos aumentado gradativamente ano após ano”.
Ao todo, a família conta com nove mil hectares divididos em área de produção em Sapezal e Campos de Júlio, além de uma área de armazéns para compra e venda de cereais e comercialização de insumos agropecuários. “Nós somos pequenos aqui. A cidade conta com vários grupos empresariais grandes, que plantam cerca de 40 mil hectares cada”, afirma Scariote. Grande parte desses grupos aposta na produção de algodão, com maior valor agregado em relação à soja – cinco vezes mais que o grão, afirma. Para isso, os grupos contam com algodoeiras e beneficiadoras da commodity. “Nós temos uma das melhores fibras, porque aqui não chove e o clima é bem propício para o algodão”, observa.
De acordo com os dados da Prefeitura de Sapezal, na safra 2013/2014 foram plantados 380,4 mil hectares de soja, 151,8 mil hectares de milho e 100,8 mil hectares de algodão. “Nesta safra, houve boa diversificação de cultura com o plantio de girassol, milho-pipoca e feijão caupi”, diz Scariote. Na safrinha, os produtores dobraram a área de sorgo e milho-pipoca. Em 2013, o milho-pipoca ocupava área de 3,4 mil hectares e este ano ocupou 7,8 mil. Já o sorgo passou de 6,7 mil hectares para 13,1 mil em 2014. As culturas que tiveram maior crescimento em área foram o girassol (767 hectares, em 2012, para 7,5 mil em 2014) e o feijão caupi, que em sua primeira safra ocupou 1,4 mil hectares. O total de área plantada no município foi de 401.782 hectares na safra 2013/2014.
O desafio futuro, segundo Scariote, é reduzir o atual custo de produção. “O ganho está cada vez menor e os custos continuam a crescer. Portanto, a perspectiva não é nada boa, principalmente com a previsão de supersafra de milho e soja nos Estados Unidos, que pode derrubar os preços desses grãos aqui no Brasil ”, avalia. De acordo com Scariote, o ideal é o produtor obter pelo menos 20% de lucro. “Só o preço do diesel deve aumentar cerca de 7%, fora o adubo, que antes a gente comprava a tonelada por 197 dólares e hoje pagamos 480 dólares”, avalia.
Além do custo de produção, outro problema que preocupa o presidente do sindicato é a venda das pequenas e médias propriedades rurais do município para os grandes grupos empresariais. “Hoje são 66 produtores na ativa, mas todo ano sai um da atividade porque vende ou arrenda a propriedade. Acho que isso não é bom para Sapezal, porque o comércio perde devido à grande parte das compras desses grupos serem feitas fora do município”, afirma.
Expansão do varejo
No comércio, os desafios também são grandes. De acordo com Jeferson Márcio Barbiero, presidente da Associação Comercial de Sapezal (Acisa), a agricultura está diretamente ligada ao movimento do varejo na cidade. “Nós temos cinco ou seis lojas importantes de móveis e eletrodomésticos que faturam muito bem aqui na cidade. Acredito que, se houver uma crise, Sapezal deve ser um dos últimos municípios a serem afetados”, afirma. No entanto, junto com o crescimento da cidade outros temas preocupam, como, por exemplo, a diversificação da base da economia com a instalação de indústrias na cidade.
“A expectativa é grande com a abertura de um distrito industrial e com a possibilidade de o comércio conseguir expandir ainda mais”, avalia Barbiero. Segundo ele, os esforços estão direcionados para fomentar cada vez mais o comércio com a criação de conselhos municipais e de eventos como a feira do comércio, que reúne em um só lugar diversas lojas. “Fazemos, ainda, promoções em datas especiais para incentivar e fortalecer as vendas”, acrescenta.
Conforme Barbiero, o papel da Acisa é saber o que o produtor precisa para que ele não sinta a necessidade de sair de Sapezal. Para isso, houve incentivo à vinda de estabelecimentos na área da saúde – como clínicas, laboratórios e farmácias –, além de profissionais liberais – como dentistas e advogados. “Com isso trazemos qualidade de vida para os que trabalham diretamente com a agricultura, que conta com um salário relativamente bom”, afirma.
Diversificação em Campo Novo do Parecis
A cerca de 100 quilômetros de Sapezal, outro município com bom desempenho do IDH é Campo Novo do Parecis, também no norte de Mato Grosso. De 1991 a 2010, o índice saltou de 0,50 para 0,73, um crescimento de 46% entre os municípios com maior área plantada de soja. A cidade ocupa o quarto lugar nesse ranking. No entanto, o município, que planta 365 mil hectares do grão, se destaca pela grande diversificação de culturas e industrialização.
Segundo dados da prefeitura, além da soja, são plantados milho (105 mil hectares), algodão (57 mil), girassol (40 mil), cana-de-açúcar (32 mil), milho-pipoca (30 mil) e sorgo (15 mil). A cidade conta ainda com indústrias de beneficiamento e esmagadora de caroço de algodão, usina de açúcar e álcool, esmagadora de grãos e indústria da construção civil com foco em silos, entre outras.
“Quando a gente chegou aqui não era nada. Só mato. Meu marido fez o teste da terra e resolveu ficar por aqui, que, na época, ainda era distrito de Diamantino. Montamos uma barraca de lona e ficamos até construir a nossa casa”, conta dona Terezinha Brolio, 73 anos, viúva de Armando Jacinto Brolio, primeiro produtor a acreditar nas terras que se transformaram em Campo Novo do Parecis, a cerca de 400 quilômetros de Cuiabá (MT). O quarto dos sete filhos do casal, Gilberto Brolio, explica como era feito o teste: “meu pai pegou a terra na mão e ela grudou. Deixou marca. Ele disse: essa terra é produtiva. Vamos ficar”, conta.
Uma semana depois, em 12 de dezembro de 1974, seo Armando trouxe toda a família – esposa e filhos. Na época, era só o cerrado habitado por seringueiros. “Eram todas terras devolutas e o máximo oferecido pelo governo era a ocupação de três mil hectares. Foi a partir desse pedaço de terra que começamos a plantar arroz e a abrir as áreas”, diz Gilberto Brolio. O pai, seo Armando, chamou os amigos e contou que tinha encontrado terras boas e produtivas. “Dois meses depois começaram a chegar outros produtores, que se tornaram nossos vizinhos”.
Foram três anos seguidos plantando arroz e já não havia mais local para estocar o grão. “Na época era a Casemat (Companhia de Armazéns e Silos de Mato Grosso) onde os produtores deixavam o cereal. No entanto, eram apenas perdas e não havia lucro. Em 1979, começaram a fazer testes com a soja e o resultado foi muito bom”, lembra Brolio. Com a correção de solo bem feita, as primeiras safras tiveram produtividade de 48 sacas por hectare. “Era uma supersafra. Hoje, para ter um bom resultado, são necessárias 60 sacas. Foi com a soja e a chegada de novas variedades que todos expandiram”, diz.
Seo Armando acompanhou a evolução e, além da soja, também partiu para a atividade com gado bovino de corte por muitos anos. “Mas, após quatro meses de seca brava, muitos animais não resistiram e morreram. Meu pai então desistiu, pois achou que não era lugar para pecuária. Passou a investir mais em soja, foi um dos primeiros a ser sócio numa usina de açúcar, parou e começou com o milho. Hoje plantamos soja na primeira safra e, na safrinha, milho, milho-pipoca e girassol , com rotação entre as culturas ”, afirma.
“Diversificamos bastante para controlar melhor nematoides, doenças e pragas. Nesta última safra, por exemplo, plantamos a Brachiaria brizantha com o objetivo de eliminar os nematoides”, acrescenta Brolio. Com espírito empreendedor e visão de futuro, seo Armando deu início a várias atividades. Os filhos continuaram e ampliaram o negócio, dividindo-o entre a Fazenda I (soja, milho e girassol), Fazenda II (animais de alta performance), loteamentos Nossa Senhora Aparecida e Jardim Alvorada, Mineração Água Verde e indústria de artefatos de cimento. “Meu pai falava: escrevam o que vou falar, daqui a 10 anos vai virar uma cidade. Dito e feito. Meu pai era um visionário.”
Um dos maiores produtores de milho-pipoca e girassol, Campo Novo do Parecis responde por cerca de 70% da produção brasileira dessas duas culturas – segundo Alex Utida, presidente do Sindicato Rural do município. “Acredito que somos os campões nestas duas culturas, tanto em volume como em área plantada”, afirma. No entanto, o que movimenta a cidade e levou ao crescimento e desenvolvimento foi a soja. “O município só existe por causa da soja. É inegável a importância do grão, plantado todo em primeira safra. A gente percebe que as cidades que têm a soja como carro-chefe possuem melhor distribuição de renda”, diz.
De acordo com Utida, os funcionários que trabalham diretamente com a soja são bem remunerados e estão no mesmo nível de escolaridade. “O comércio também tem um giro melhor, o que provoca uma melhoria na qualidade de vida das pessoas. Isso tudo vem num conjunto bastante virtuoso”, avalia.
Outra característica do município, explica Utida, é o sucesso, nos últimos anos, dos produtores que colhem a segunda e até a terceira safra. “A segunda safra tem registrado produtividade melhor praticamente na mesma área. Ano após ano conseguimos bons índices tanto na soja como nas outras culturas em segunda safra ”, observa. O resultado deste bom desempenho é a renda adicional e menor sazonalidade com relação à mão de obra e outros custos fixos. “Com isso, conseguimos manter, por exemplo, uma quantidade de funcionários maior o ano inteiro, o que não acontecia quando não havia segunda safra. Aperfeiçoamos, assim, toda a nossa operação, levando à redução de custos e a um processo de viabilidade econômica mais bem planejado”, acredita.
A rotação de culturas em Campo Novo do Parecis acontece depois do plantio da primeira safra com soja. Segundo Utida, as opções são: algodão, milho (pipoca, branco e amarelo), girassol e também sorgo, milheto, pasto, entre outras. Ele explica que outra rotação bem interessante e que tem trazido ótimos resultados é a dobradinha soja e cana-de-açúcar. “A cana fica alguns anos e depois os produtores entram com a soja e depois com a cana novamente. Esses produtores estão conseguindo maiores produtividades porque a cana não reproduz algumas doenças e pragas da soja. Para acabar com o nematoide é muito importante essa rotação. Há uma quebra no ciclo, além de deixar uma ótima palhada para a soja. Já a soja colabora com a cana em adubação.”
A integração lavoura-pecuária é uma tendência observada em áreas tradicionais de pecuária (que estão unindo pasto e soja) e também como opção de segunda ou mesmo de terceira safra em região forte em soja (como a de Campo Novo do Parecis). “O que temos observado efetivamente é a otimização do uso da terra. Alguns produtores têm optado por um caminho de integração. Ou seja, alguns benefícios da pecuária que ajudam a soja e vice-versa. Essa diversificação tem sido importante para aumentar a renda do produtor porque muitas vezes ele pode ter prejuízo ou mesmo não conseguir pagar os custos, dependendo da oscilação do mercado. Uma terceira safra ajuda a mitigar os riscos do produtor”, acredita.
Cientista do campo
Quem mais entende de diversificação na região é um dos primeiros produtores de girassol no país e o que mais se destacou no desenvolvimento do plantio de milho-pipoca para a região. “Gosto de novos desafios e de buscar inovação. Quando você começa uma nova cultura, a lucratividade é maior e se tem a oportunidade de ganhar mais por um tempo”, explica o produtor Sergio Stefanelo, com oito mil hectares. Hoje, ele produz soja em primeira safra e, na segunda safra, milho-pipoca, girassol (três tipos: para óleo, pássaros e confeitaria – pães e bolachas), feijão azuki e painço. Mas, a experiência sempre está em campo. “Estamos experimentando o plantio de gergelim e chia”, diz.
Stefanelo veio de Cruz Alta (RS) para Campo Novo do Parecis após se formar em Agronomia na Universidade Federal de Santa Maria. Chegou em 1985, para abrir quatro mil hectares de área comprada pela família. “Era uma propriedade bruta, só cerrado”, conta Stefanelo. O arroz foi o cereal plantado nos dois primeiros anos. “Posteriormente, plantamos somente soja por cerca de cinco anos. Depois começamos as primeiras experiências com segunda safra. Nos primeiros anos, optamos por painço e feijão azuki. Há 20 anos iniciei o girassol, logo após, o milho, o milho-pipoca e assim por diante”, diz. Ele acrescenta que é o maior produtor de feijão azuki no Brasil, comercializando entre 300 e 400 toneladas do grão por ano.
Além dos experimentos em campo, Stefanelo conta ainda com a Sementes Sagui – empresa de beneficiamento dos produtos cultivados nas fazendas. “Aqui a gente ensaca o girassol, classifica e armazena o milho-pipoca, que necessita de um silo refrigerado para melhor acondicionamento do grão”, afirma. Ele explica que o milho-pipoca precisa de uma temperatura mais baixa para manter a qualidade do produto. “Vendemos pipoca o ano todo. Por semana, envio uma carreta de milho para uma empresa no interior paulista que fornece para cinemas. Imagina, então, a qualidade que precisamos ter para atender a esse mercado?”, conta.
Segundo Stefanelo, a regularidade climática garante a boa qualidade da produção. “Aqui chove de outubro a abril e a seca ocorre a partir de maio. Ou seja, chove na hora certa e tem seca também na hora certa. Aí é moleza, só fazer o trabalho”, brinca. Ele explica que em Campo Novo do Parecis a chuva acontece na época de desenvolvimento da planta e a seca, na colheita e maturação. “Todos os anos é assim e isso traz uma qualidade excepcional para o que é produzido aqui”, acrescenta. Na lavoura de milho-pipoca, por exemplo, não se pode usar produtos para dessecar a planta, que precisa secar de forma natural.
Mas o que faz a cidade ser considerada uma cidade boa de viver? Stefanelo diz que a agricultura é uma máquina de distribuir dinheiro. “O setor movimenta toda uma cadeia de pneus, baterias, postos de combustível, armazenagem, energia elétrica. A agricultura tem muitas necessidades e, com isso, a comunidade ganha como um todo”, diz. Outra razão que faz o IDH ser alto é o fato de a cidade ter sido erguida por pessoas cujo objetivo era construir uma vida, fosse na agricultura, comércio ou indústria. “São migrantes que viram aqui a oportunidade de crescer e trabalhar”, acrescenta.
Outro ponto a favor do IDH do município, avalia Stefanelo, é que os produtores tiveram que evoluir muito com o uso intensivo de máquinas agrícolas, principalmente os produtos de segunda safra, que precisam passar por beneficiamento e com maior valor agregado. “É um ciclo : máquinas grandes e com alta performance geram empregos com salários mais altos , o que torna uma sociedade com maior poder aquisitivo ”, observa.
A renda per capita no município, de acordo com o prefeito Mauro Valter Berft, é de 2,89 salários mínimos (R$ 2.092,36). Segundo dados do IBGE, a renda per capita no Mato Grosso é de R$735,32. Ou seja, moradores de Campo Novo do Parecis ganham quase três vezes mais que a média do estado. “A agricultura é uma cadeia que gera empregos muito bem remunerados. Há um intercâmbio entre a tecnologia e os latifúndios altamente produtivos, que torna nossos produtos muito atrativos para as grandes multinacionais do setor. Tecnologia puxa tecnologia, o que gera um ciclo virtuoso de crescimento”, afirma o prefeito.
Agora, o município parte para a industrialização da matéria-prima produzida no campo. Segundo o prefeito, está em processo de conclusão a Parecis S.A., uma cooperativa formada por 40 agricultores, voltada à extração do óleo de girassol. “Será a maior processadora de grãos da América Latina e com capital genuinamente daqui”, afirma. Para contribuir com a mão de obra deste segmento, a cidade conta com uma unidade do Instituto Federal de Mato Grosso (IFMT). “São vários cursos, entre eles o de Técnico em Agropecuária, integrados ao ensino médio e os cursos superiores de Agronomia, Licenciatura em Matemática e Tecnologia em Agroindústria”, afirma.
Algodão
“Lugar bom de morar é onde estamos bem”, afirma Flávio Duarte de Albuquerque, diretor da Dual, beneficiadora de algodão. Ele é um exemplo de que, se a vontade é de trabalhar, a possibilidade de dar certo é grande. “Cheguei em Campo Novo do Parecis com 21 anos e muita disposição. Foi o Mato Grosso que abriu as portas para a expansão de um negócio familiar, que teve início na cidade de Limoeiro, Pernambuco. Estou muito feliz, pois a cidade tem uma ótima localização geográfica – estamos no centro do estado –, interligada a várias regiões. Temos matéria-prima para trabalhar, estrada, energia. Enfim, tem tudo aqui”, afirma.
A felicidade pode ser traduzida em números. A empresa cresceu 10 vezes em faturamento desde que chegou ao município, em 2000. Onze anos depois, abriu uma filial em Pedra Preta (MT), cerca de 600 quilômetros de Campo Novo do Parecis. A nova unidade surgiu para atender à produção de algodão das regiões de Rondonópolis, Campo Verde e Primavera do Leste. “As pessoas vieram em busca de oportunidades e a região ainda tem muito para crescer. Tem espaço para todo mundo, agrônomo, médico e muitos outros profissionais”, acredita.
Em Campo Novo do Parecis, a Dual conta com um amplo parque industrial com usina de descaroçamento de algodão, fábrica de óleo e refinaria de óleos vegetais para o uso de biocombustível. Além desses produtos, na unidade de Pedra Preta a empresa faz ainda o processo de deslintamento, que é limpar totalmente a semente do linter, usado na produção de celulose química. O material é totalmente voltado para a exportação. “O objetivo é, a partir dos próximos anos, incluir mais esse processo na unidade de Campo Novo”, acrescenta Albuquerque. A filial tem capacidade para esmagar 200 toneladas de caroço por dia e beneficiar cerca de 400 fardos por dia. Segundo ele, a previsão é de esmagar cerca de 500 toneladas já a partir de 2015.
Máquinas agrícolas
O bom desempenho agrícola da região atraiu também as grandes marcas de máquinas voltadas ao setor. A MaxxiCase, revendedora da marca Case IH, foi uma das que não perdeu a oportunidade de buscar seu espaço na região. Atualmente, são oito lojas e o objetivo é chegar a 10 lojas nos próximos dois anos. “Precisamos estar próximos aos produtores para darmos suporte com peças e serviços, consolidando o pós-venda. O nosso ponto forte é, justamente, esse contato com o cliente ”, diz Leonildo Antonio Garcia, coordenador da filial em Campo Novo do Parecis.
Ele conta que trabalhava em uma metalúrgica em São Paulo e a irmã já morava no Mato Grosso. “Ela dizia que o estado estava crescendo muito e que eu deveria tentar porque havia muita oportunidade. Então, estou aqui desde 2000 e, realmente, foi ótimo”, conta. A demanda por maquinário cresce ano a ano e a unidade de Campo Novo cresceu, somente em 2013, cerca de 30% no faturamento. “Os produtores estão antecipando as colheitas e fazendo até três safras no ano, o que demanda máquinas com agricultura de precisão, monitoramento por satélite, alto rendimento e produtividade”, observa.
Da mesma forma que o segmento de máquinas agrícolas cresce com a produção no campo, com o comércio não é diferente. Segundo Marcelo Perini, presidente da Associação Comercial e Industrial de Campo Novo do Parecis (Acic), o varejo depende cerca de 70% do agronegócio. “É a agricultura que movimenta todo o comércio, por isso a necessidade de ampliar e diversificar essa base econômica também com as indústrias”, avalia.
Segundo ele, a cidade evoluiu muito nos últimos 10 anos, período em que a agricultura começou a ser vista com outros olhos e a tecnologia chegou ao campo. “Com isso, foram chegando mais empresas e pessoas em busca de oportunidades”, diz. Segundo os dados da associação, em 1989, eram 513 empresas. Hoje são 2.841 estabelecimentos, dos quais 845 são empresas e 1.321 são prestadoras de serviços.
Municípios agrícolas x não agrícolas
A importância econômica do agronegócio é inquestionável, por corresponder a mais de 22% do Produto Interno Bruto (PIB), além de ser responsável por cerca de 30 milhões de postos de trabalho em toda a cadeia. O estudo da Kleffmann sobre o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) de municípios agrícolas e não agrícolas vai além, avalia como esta geração de divisas influencia na qualidade de vida das pessoas. Regiões produtoras tornaram-se polos de migração em nível nacional e referência em geração de oportunidades. De forma geral, municípios agrícolas tiveram índices de evolução do IDH acima dos apresentados pelos não agrícolas.
Segundo o estudo, nos municípios agrícolas, de 1970 a 2010, o IDH cresceu 69%, passando de 0,424 para 0,718. Nas regiões não agrícolas o crescimento foi de 57%, de 0,458 para 0,717. Considerando só os municípios mais bem ranqueados em cada cultura, os chamados “top agrícolas”, o crescimento foi de 53%, com o IDH passando de 0,481 para 0,738. Quanto mais perto do número um fica o índice, maior é o nível de desenvolvimento.
“Se tomarmos como exemplo as regiões produtoras de algodão, a gente vê que eram municípios muito pobres, com baixa distribuição de renda, e que, com a chegada da agricultura, foram se desenvolvendo. O agronegócio abriu outras oportunidades de vida para estas pessoas e trouxe desenvolvimento para outras parcelas da sociedade”, afirma Lars Schobinger, presidente da Kleffmann Brasil.
Na avaliação por culturas, o maior crescimento do IDH ocorreu em áreas produtoras de algodão: 131% (0,306 para 0,707). Em seguida, aparecem o milho com 73% (0,410 para 0,710), a cana com 65% (de 0,443 para 0,729) e a soja com 64% (de 0,446 para 0,729). A adoção de tecnologia nas lavouras, caracterizada, por exemplo, pela adoção de defensivos, gera, além de comprovados ganhos produtivos, a aceleração do desenvolvimento humano, proporcionando ganhos amplos à sociedade.
O estudo teve como base as regiões produtoras de soja, milho, algodão e cana-de-açúcar. Além do IDH, considerou fatores como o uso de tecnologia, especialmente agroquímicos, a população e a área plantada dos municípios: 10 mil hectares ou mais para soja, milho e algodão e cinco mil ou mais para cana-de-açúcar. A pesquisa estabeleceu ainda um ranking dos 100 municípios que mais produzem soja, dos 100 maiores produtores de milho, os 25 maiores de algodão e os 75 maiores de cana-de-açúcar. A relação considerou área plantada e uso de agroquímicos.
O IDH mede o progresso de uma localidade a partir de três dimensões: renda, saúde e educação. O indicador foi criado e é elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
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