Qual é o interesse deste assunto para a história de Alfredo Wagner? O episódio é uma prova da importância da Colonia Militar Santa Thereza e de sua inter-relação com a Capital do Estado, Desterro. Ao contrário do que muitos afirmam, a Colonia Militar, fundada por ordem do Imperador Dom Pedro II estava inserida no contexto estadual sendo ponto de interesse e de preocupação de governos e do público. Era um encrave de suma importância na Serra Catarinense, entre Lages e Desterro, passagem de tropas e produtos cujo progresso era notório. Vamos então conhecer este episódio que movimentou a imprensa da época.
A história do soldado da Companhia dos Inválidos, António Correa Feio e da alemã Adolpha Drummer, foi publicada com destaque na imprensa catarinense, mais especificamente no jornal O Despertador, 1870. Após a publicação da denúncia e da resposta do próprio diretor da Colônia Militar Santa Thereza, a solução para o caso foi publicada, muito discretamente em outro jornal. Conheçamos a alemã Adolpha Drumer, pivô de toda matéria.
A primeira nota apareceu na edição 00723 de 1º de Janeiro de 1870:
PERGUNTA-SE
ao Sr. coronel João Francisco Barreto, Diretor da Colonia Militar Santa Thereza, porquanto está arrendada a casa pertencente ao Estado, em que reside a alemã Adolpha Drummer, que tem nela negocio e nele figura como dona, apesar de dizerem que!… Com a resposta de S.S. muito obrigado lhe ficará
O Demonio com azas cortadas
Desterro 28 de Dezembro de 1869
A segunda nota tem como autor, O Macuco do Pedro. Este e O Demônio com azas cortadas é uma só pessoa com dois pseudônimos? Difícil saber, mas tudo indica que sim. O Macuco, desgostoso da situação encontrada na Colônia Militar Santa Thereza, publica na edição de 00728 de 18 de Janeiro de 1870:
“Duro e repugnante é, na verdade, para o militar que ama a classe a que pertence, ser testemunha de ver que um velho soldado, depois de ter prestado relevantes serviços à pátria, esteja hoje servindo como escravo a uma alemã que reside na colonia militar Santa Thereza, fazendo-lhe serviços indecorosos, até aqueles que a decência manda calar, a uma alemã infame, que desprezou seu marido para viver mantida por outro homem, que tem mais para dar-lhe, e satisfazer sua ambição. Esta alemã é a feliz Adolpha Drunmer que está com negocio em uma casa pertencente ao Estado, d´onde figura como dona, e o soldado é o infeliz Antonio Corrêa Feio, da companhia de inválidos. Ao digno comandante desta companhia pertence evitar tais abusos, recorrendo à primeira autoridade da província para o mandar retirar daquela colonia, d´onde não presta serviço algum ao Estado.
O macuco do Pedro.
A resposta foi publicada na edição 00734 de fevereiro de 1870 pelo Coronel João Francisco Barreto, diretor da colonia militar e principal alvo das suspeitas e denúncias. A resposta foi muito incisiva:
“Passo a responder a esse maligno interlocutor, que na verdade buscou a evocação que bem lhe quadra, e a essa resposta sou movido, não a caso algum que me mereça esse despeitado Demônio, mas em atenção ao respeitável publico que me considera”.
Em primeiro lugar o coronel irá responder sobre o uso da casa do Estado que estava sendo utilizada pela alemoa:
“Quanto a falada casa da nação em que tem mui mal se agasalhado a pobre alemã Adolphina com seus inocentes filhos enquanto fazia nova para o que ha muito esta puxando madeiras, como esse mesmo Demônio tem sido e ainda hoje está sendo testemunha, é uma casinha velha de palha em estado ruinoso.”
O coronel faz ver que a pequena casa coberta de palha, com madeiras em péssimo estado, já deveria ter sido demolida, tendo ele, inclusive, pedido a demolição. Porém, enquanto não recebe ordens de seus superiores, a casa é emprestada para transeuntes, viajantes, de passagem pela colônia, e, neste caso, para a alemoa que sem custo algum de aluguel, a utiliza enquanto não termina sua casa própria.
(…) vem a esdruxula pergunta do por quanto estava arrendado a alemã? Ainda responde-se que fazendo ela parte da colonia não deve estar fora dos favores e auxílios que a outros se tem feito, pois que também é filha de Deus…”
E o coronel destaca, talvez um dos primeiros casos de racismo havido na colônia:
“…embora o ódio implacável que esse Demônio lhe tenha, só pelo simples facto de ser alemã; aos quais aqui tem tratado áspera e grosseiramente só pela circunstancia da nacionalidade!
O Coronel Barreto passa, em sua resposta, a tratar do Tenente Francisco Ramires Cardoso, cujo relacionamento com o Demônio sem asas fica subentendido no texto. Resumindo: o tenente saia da Colônia Militar para receber o pagamento dos colonos-soldados em Desterro e lá ficava por três meses, usando o dinheiro, fazendo dívidas e, quando cobrado, dizia que não havia dinheiro na tesouraria. O próprio coronel era, então, obrigado a pagar os salários e as despesas da colônia com dinheiro seu.
Após algumas explicações sobre a situação da colônia, o coronel retoma o tema da alemã e do soldado…
“Vê o respeitável publico, para quem escrevo (…) que tudo são declamações banais como a lamentação que vem no mesmo numero da molecal poesia acerca do soldado invalido Antonio Corrêa Feio de estar servindo como escravo a uma alemã infame que reside com negocio neste lugar.
“Esse soldado velho mora há muito comigo por solteiro e não ter suficiência de viver sobre si e reger-se; não é como diz o macaco do Pedro que é o mesmo Demônio, que ele aqui nada faz; por quanto serve-me como de camarada e ordenança para qualquer recado ou aviso; os serviços que presta não são indecorosos, pois não passão de conduzir alguma lenha ao ombro, como água em balde leviano conduzido a mão, serviço que aqui todos fazem.
O coronel acrescenta que o soldado é um homem “sui generis“, sempre pronto para servir a todos principalmente as mulheres, especialmente quando a paga é a cachaça. Gosta de frequentar a casa da “aludida alemã (…) em razão do cheio da bebida“.
Ao finalizar suas respostas ao Macuco do Pedro e ao Demônio sem azas, o coronel Barreto dá mais uma informação de interesse para a história de Alfredo Wagner: jornais que circulavam em Desterro, eram remetidos para a Colonia Militar pois o militar assim termina sua publicação:
Com a publicação da presente resposta às energúmenas perguntas e exclamações macucas, muito obrigará, Sr. Redator do Despertador o seu assinante e constante leitor
O Coronel João Francisco Barreto.
E que fim teve o velho soldado invalido António Corrêa Feio?
Os fatos acima descritos ocorreram em Dezembro de 1869 e Janeiro e Fevereiro de 1870. Em 1871 o coronel João Francisco Barreto é demitido do cargo de diretor da colônia militar. A nota publicada no O Despertador é da Secretaria de Estado dirigida a Tesouraria nestes termos:
“A mesma, n. 275. – Comunica que foi demitido do cargo de diretor da colonia militar de Santa Thereza, o coronel João Francisco Barreto.
4 anos depois, o diretor da Colônia Militar Santa Thereza recebe ordem de enviar o soldado Antonio Correa Feio para a capital. Dirigia a Colônia um major, cujo nome não é mencionado:
Ao sr. major diretor da colonia militar de Santa Thereza. – De ordem de s. exc. o sr. doutr presidente da provincia, faça v. s. recolher-se a esta capital, o soldado da companhia dos invalidos, Antonio Corrêa Feio.
Parece que assim se encerrou o episódio! Que fim levou o Coronel Barreto? Vamos descobrir e depois comunicamos aos nossos leitores.
Recortes dos jornais que tratam da matéria acima:
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