Sociedade Brasileira de Medicina Tropical – Publicação: 11 de março de 2020
Dados preliminares disponíveis sugerem que ocorre transmissão de SARS-CoV-2 também durante o período de incubação e, possivelmente, também a partir de pessoas infectadas que não desenvolveram manifestações, porém a frequência ainda não foi definitivamente estabelecida
Fernando Martins & Terezinha Marta Castiñeiras
Em 31 de dezembro de 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) foi notificada da ocorrência de casos de pneumonia grave de etiologia desconhecida, na cidade de Wuhan (Província de Hubei), na China. O fato, imediatamente gerou preocupação na comunidade médico-científica internacional. Na China, as autoridades de saúde adotaram medidas emergenciais para conter a epidemia e iniciaram investigação epidemiológica, microbiológica e clínica no intuito de caracterizar rapidamente a nova doença e viabilizar o seu controle. Em 7 de janeiro de 2020, os cientistas chineses anunciaram o isolamento de um novo coronavírus de um paciente de Wuhan que foi denominado inicialmente 2019-nCoV. Em sequência, desenvolveram um método de biologia molecular para confirmação rápida do diagnóstico.A investigação epidemiológica dos primeiros casos apontava como elo a visita a um mercado atacadista de frutos do mar e animais selvagens em Wuhan, sugerindo que o novo coronavírus poderia ter sido inicialmente transmitido aos humanos a partir de uma fonte animal. A transmissão inter-humana (pessoa a pessoa) foi rapidamente comprovada e é responsável pela continuidade da propagação da doença.Ao longo do mês de janeiro os casos passaram a ser registrados em outras províncias da China e, embora com menor frequência, também em outros países. Em 30 de janeiro de 2020, a OMS declarou a epidemia da doença respiratória como uma Emergência de Saúde Pública de Interesse Internacional. Na ocasião, um total de 7.736 casos estava confirmado, 83 dos quais em países diversos. Em 11 de fevereiro de 2020, a doença causada pelo novo coronavírus, foi oficialmente denominada pela OMS como Doença do Coronavírus 19 (do inglês Coronavirus Disease 19 ou COVID-19, abreviadamente) e, em paralelo, o vírus passou a ser denominado SARS-CoV-2.
Até 8 de março de 2020 foram registrados 110.037 casos em 109 países (80.735 na China continental) e 3.825 óbitos (letalidade de 3,5 %). No Brasil, até a mesma data, existiam 663 casos suspeitos, 632 descartados e 25 casos confirmados (inclui 1 assintomático).
Agente etiológico da COVID-19
O agente causador da COVID-19 é um novo coronavírus, o SARS-CoV-2. Os vírus da família coronaviridae podem causar infecções em animais vertebrados. Em seres humanos, os coronavírus causam infecções respiratórias de gravidade diversa, sendo um dos mais frequentes agentes do resfriado comum (HCoV-229E, HCoV-NL63, HCoV-OC43 e HCoV-NKUI) e também reconhecidas causas de pneumonias graves como a síndrome respiratória aguda grave (SARS, do inglês Severe Acute Respiratory Syndrome, descrita em 2002 ) e a síndrome respiratória do Oriente Médio (MERS, do inglês Middle East Respiratory Syndrome, descrita em 2012), respectivamente causadas por SARS-CoV e MERS-CoV.
Os morcegos parecem ser a fonte primária (reservatório) de diversas variantes de coronavírus e também é provável que sejam para o SARS-CoV-2, como sugerem os estudos filogenéticos em andamento com o genoma do novo coronavírus. Entretanto, é provável que para que os seres humanos sejam infectados, um outro hospedeiro animal (ainda desconhecido para o SARS-CoV-2) esteja envolvido, como foi demonstrado para o SARS-CoV (civetas) e para o MERS-CoV(dromedários).
Modos de transmissão do SARS-CoV-2
As informações disponíveis sugerem que o principal modo de transmissão do SARS-CoV-2 entre seres humanos é semelhante ao da gripe. Ou seja, a transmissão ocorre de uma pessoa para outra através de gotículas eliminadas através da tosse ou do espirro. A transmissão do SARS-CoV-2 por aerossóis ainda não foi estabelecida (e nem descartada). Admite-se, por prudência, que os procedimentos que geram aerossóis (intubação orotraqueal, nebulização, aspiração de vias aéreas etc.) podem envolver algum risco.
A transmissão também pode ocorrer através da contaminação das mãos com secreções respiratórias, pelo contato direto (aperto de mãos) ou indireto (tocar em superfícies contaminadas). A infecção, contudo, não ocorre através da pele. A transmissão pode ocorrer quando o indivíduo susceptível coloca as mãos contaminadas em contato com a mucosa oral, nasal ou ocular.
A transmissão do SARS-CoV-2 parece ocorrer mais intensamente após o início das manifestações da doença e as informações disponíveis sugerem que o risco persista, em média, por sete dias. O período exato de transmissibilidade, contudo, ainda não foi estabelecido para a COVID-19. Para a gripe a transmissibilidade começa 24 horas antes do aparecimento de manifestações e pode ocorrer até quatro dias após. Para o sarampo, começa quatro dias antes do aparecimento do exantema (rash cutâneo) e pode ocorrer até quatro dias depois. As evidências apontam que a COVID-19, embora transmissível com facilidade como a gripe, é menos transmissível que o sarampo. A estimativa é que cada pessoa infectada possa transmitir o SARS-CoV-2 para dois a três outros indivíduos, enquanto que no caso do vírus do sarampo transmissão pode ocorrer para 12 a 18 susceptíveis.
Os dados preliminares disponíveis, no entanto, sugerem que ocorre transmissão de SARS-CoV-2 também durante o período de incubação (de 2 a 14 dias, em geral) da doença (e, possivelmente, também a partir de pessoas infectadas que não desenvolveram manifestações), porém a frequência com que a transmissão por pessoas assintomáticas ocorre ainda não foi definitivamente estabelecida. Não obstante, existem claras evidências, de que o provável primeiro caso de transmissão local na Europa (Alemanha) tenha ocorrido a partir de uma pessoa infectada e assintomática.
A transmissão que resultou neste primeiro caso na Alemanha teria ocorrido durante reuniões de negócios (Munique, dias 20 e 21 de janeiro de 2020) entre um empresário e uma executiva chinesa proveniente de Xangai. A executiva, assintomática durante a estada na Alemanha, retornou à China em 22 de janeiro. Ela começou a desenvolver manifestações clínicas durante o voo e teve o diagnóstico de COVID-19 confirmado (PCR) em 26 de janeiro. No dia 27 a executiva informou à empresa de Munique sobre o seu adoecimento. O empresário, previamente saudável e sem histórico de viagens nos 14 dias anteriores, adoeceu em 24 de janeiro (febre de 39,1 °C e tosse produtiva). No dia 27, por ter melhorado, voltou ao trabalho e, em razão da informação recebida da executiva, foi encaminhado para avaliação na Divisão de Doenças Infecciosas e Medicina Tropical em Munique. O diagnóstico de COVID-19 confirmado em exame (PCR) do próprio dia 27 de janeiro, quando o empresário já estava assintomático. Em 28 de janeiro, três outros empregados da empresa que apresentaram manifestações clínicas tiveram o diagnóstico confirmado (PCR). Desses pacientes, um teve contato apenas com a executiva e dois apenas com o empresário.
Uma pessoa exposta ao risco de infecção (oportunidade de infecção), como viagem a uma área onde está ocorrendo transmissão local sustentada (comunitária), pode ou não ser infectada pelo SARS-CoV-2. Uma vez infectada, pode ou não desenvolver manifestações da COVID-19. Nas que desenvolvem manifestações clínicas, o período incubação é assintomático. Em algumas pessoas, não há sensação de mal-estar, as manifestações podem ser muito leves (tosse seca discreta, coriza e ausência de febre) e os casos evoluem como assintomáticos, sem outros problemas. Em outras, as manifestações são mais acentuadas e os doentes evoluem apresentando sensação de mal-estar, febre elevada, tosse mais exuberante (seca ou produtiva), coriza, dor de garganta e falta de ar. A maioria desses pacientes evolui com quadro clínico que variam de leve a moderado. Em uma minoria, no entanto, a evolução pode resultar em quadros graves ou muito graves.
O relatório (16-24 de fevereiro de 2020) da Missão Conjunta OMS-China sobre a Doença do Coronavírus 2019 (COVID-19), referente a 55.924 casos com diagnóstico confirmado de COVID-19 na China, registra que a doença foi considerada como clinicamente leve ou moderada em 80,1%, grave em 13,8% e crítica 6,1%. Os pacientes com quadros clínicos leves ou moderados não necessitam de internação, os com quadros graves devem ser internados e os que apresentam quadros críticos devem ser internados um unidades de terapia intensiva.
Critérios de definição e fluxos de investigação, de isolamento domiciliar e de atendimento são extremante importantes e úteis. No entanto, é necessário ter cautela, uma vez que não existe uma abordagem única para todas situações. A história natural da COVID-19 é ainda é mal caracterizada. o número de portadores assintomáticos é desconhecido e o período exato de transmissibilidade ainda não foi estabelecido.
Leitura recomendada
Brasil. Ministério da Saúde. Novo Coronavírus
CDC – Centers for Disease Control and Prevention. Coronavirus Disease 2019
Coronavirus COVID-19 Global Cases by Johns Hopkins
Chinese Center for Disease Control and Prevention. Coronavirus Disease 2019
WHO – World Health Organization Coronavirus disease (COVID-19) outbreak:
Coronavirus disease (COVID-2019) situation reports:
Report of the WHO-China Joint Mission on Coronavirus Disease 19 (COVID-19),16-24 February 2020
Publicações utilizadas:
Chen N, Zhou M, Dong X, et al. Epidemiological and clinical characteristics of 99 cases of 2019 novel coronavirus pneumonia in Wuhan, China: a descriptive study. The Lancet 2020; S0140-6736(20)30211-7.
Hoehl, S, Berger A, Kortenbusch M, et al. Evidence of SARS-CoV-2 Infection in Returning Travelers from Wuhan, China. et al. N Engl J Med 2020; published online Feb 18. DOI:10.1056/NEJMc2001899.
Autores:
Fernando Martins
Professor de Doenças Infecciosas e Parasitárias e Medicina de Viagem da Faculdade de Medicina da UFRJ.
Coordenador do Cives – Centro de Informação em Saúde para Viajantes da UFRJ.
Terezinha Marta Castiñeiras
Professora de Doenças Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da UFRJ.
Chefe do Departamento de Doenças Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da UFRJ.
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