Estiagem, ciclones, tempestades, tornados, massas polares. O ano de 2020 foi profícuo em eventos meteorológicos, alguns deles extremos, que causaram perdas humanas e materiais, além de outros transtornos para os catarinenses. A meteorologista da Epagri/Ciram, Maria Laura Guimarães Rodrigues, publicou na revista Agropecuária Catarinense artigo científico com o resumo dos eventos registrados entre janeiro e outubro de 2020 no Estado.
A estiagem foi a pior registrada no Estado desde 1957. No artigo, a pesquisadora lembra que o quadro se agravou nos meses de outono e primavera. “Esse foi um dos eventos climáticos do ano que mais mobilizou equipes da Epagri/Ciram na demanda por entrevistas na mídia, reuniões governamentais e palestras”, pontua a meteorologista.
A falta de chuva trouxe consigo um evento ambiental sem precedentes em Santa Catarina, a “chuva preta”, vista no Oeste, Meio-Oeste e Planalto Norte, regiões em geral mais influenciadas pelos “rios voadores”. “Ventos a uma altitude aproximada de 1500m, conhecidos como ‘rios voadores’, impossibilitados de cumprirem seu papel de transportadores de umidade do norte ao sul do país, realizaram o transporte da fumaça dos incêndios no Pantanal (…) O Estado recebeu a fumaça pantaneira especialmente em setembro”, descreve o artigo.
Tempestades
Paralelamente à falta de chuvas, as tempestades atingiram o Estado, trazendo medo, mortes e prejuízos aos catarinenses. Em 30 de junho aconteceu o que os meteorologistas da Epagri/Ciram consideraram o evento que em curto espaço de tempo que apresentou maior abrangência de tempestade severa já registrada em Santa Catarina. Naquele dia, uma linha de instabilidade organizou-se no Oeste, deslocando-se em cerca de três horas com ventos de mais de 100km/h em grande parte das regiões do Estado.
Apesar de ficar conhecido na mídia como ciclone bomba, os ventos provocados pelo ciclone, que se deslocava no oceano, afetaram apenas o Litoral catarinense e o Litoral Sul no dia seguinte. “Mesmo não sendo diretamente o responsável pelas tempestades severas do dia 30 de junho, o ciclone provocou vento recorde em Siderópolis, de 168 km/h, no dia 1 de julho, o maior registro das séries históricas de vento em Santa Catarina”, descreve Maria Laura no artigo.
Não muito tempo depois, em 14 e 15 de agosto, outra tempestade severa atingiu o estado. Desta vez, o Oeste e Norte foram as áreas mais atingidas, registrando a formação de dois tornados, nos municípios de Tangará e Irineópolis.
Outras tempestades atingiram o Estado ao longo do ano, apresentando velocidades de vento entre 70 e 90km/h. Muitas delas, acompanhadas de granizo e, embora com menor impacto, causando prejuízos em áreas urbanas e rurais, especialmente entre agosto e outubro, quando o fenômeno ocorreu com maior frequência nas diversas regiões catarinenses. “Se a primavera é normalmente a época do ano com maior incidência de tempestades e granizo em SC, provavelmente o tempo mais seco em 2020 tenha contribuído para que nesta primavera a incidência do fenômeno fosse ainda maior durante a passagem de frentes frias”, analisa a meteorologista.
Temperatura
Em relação às temperaturas, não surpreendeu o contraste entre o calor do Vale do Itajaí no verão, com máxima de 40ºC em fevereiro, e o frio da Serra no inverno, com mínima de -8,1ºC em Urupema, em 15 de julho, e de -8,6ºC em Bom Jardim da Serra, em 21de agosto.
Contudo, a primavera mais uma vez surpreendeu. “Mal nos despedimos do inverno e a temperatura chegou a 43,8ºC em Jaraguá do Sul, no dia 2 de outubro, sendo o segundo maior registro de máxima da história de SC”, detalha Maria Laura. Nas semanas seguintes as massas de ar frio voltaram ao Sul do Brasil e no dia 5 de novembro as mínimas no Estado ficaram entre 6 e 10ºC em grande parte das regiões. Na Serra ocorreu temperatura negativa e geada.
A neve veio no inverno catarinense, como o esperado, mas a distribuição geográfica surpreendeu os meteorologistas. Entre os dias 20 e 21 de agosto ela chegou, mantendo a climatologia de pelo menos um evento no ano. Mas não se concentrou nas áreas altas do Planalto Sul, como normalmente acontece. Houve registro de neve nos Planaltos Sul e Norte, mas as condições para o fenômeno foram mais favoráveis na Grande Florianópolis Serrana. Rancho Queimado foi um dos municípios que teve neve em período mais prolongado, chegando a acumular no solo.
Maré
A maré alta também esteve presente no ano que passou. Dois episódios, entre 3 e 9 de abril, estão entre os quatro com maior altura do nível do mar registrada na costa catarinense desde 2012, ano de criação da rede maregráfica monitorada pela Epagri/Ciram. Nesses dias, as medições realizadas em Passo de Torres, Imbituba, Laguna, Florianópolis e Barra Velha identificaram alagamentos por maré alta ao longo do litoral, causando transtornos em praias e trânsito.
O artigo relata que abril e maio foram os meses do ano com maior número de casos com ressaca e maré alta em Santa Catarina, devido à maior persistência do vento sul associada aos frequentes ciclones que atuaram próximos da costa. Com essa condição de tempo, a safra da tainha começou bem, em maio, mas piorou nos meses seguintes, pela pouca persistência do vento sul durante o inverno, o que não é comum no litoral de SC.
Enxurrada
O período analisado no artigo científico se encerra em outubro, mas em dezembro mais um evento meteorológico afetou o Estado de forma extrema, levando vidas e deixando prejuízos materiais. Entre a noite de 16 de dezembro e madrugada do dia 17, Presidente Getúlio, Ibirama e Rio do Sul, no Alto Vale catarinense, registram alto nível de chuva num curto período.
O município de Presidente Getúlio foi o mais atingido, onde uma enxurrada varreu vários bairros, deixando mortos e destruição. A precipitação acumulada em 24 horas ficou entre 80 e 100mm, o que equivale ao esperado para cerca de 20 dias de chuva. A concentração deste volume em pouco tempo agravou a situação.
O artigo da pesquisadora Maria Laura mostra como 2020 foi um ano atípico em termos meteorológicos. Não bastasse a pandemia causada pela Covid-19, o clima resolveu também testar os limites dos catarinenses no ano que passou.
Clique aqui para baixar o PDF com a íntegra o artigo científico.
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