Vinícius Schmidt/Metrópoles – Goiânia
Goiás registrou, em menos de uma semana, ocorrências inusitadas relacionadas com abelhas. Em duas delas, em Caldas Novas e Cristalina, enxames simplesmente tomaram conta de motos. Por coincidência, os veículos são de modelos parecidos e de cor idêntica: vermelha. Os bombeiros tiveram que retirar os insetos. Já em Hidrolândia, um enxame atacou trilheiros. Alguns chegaram a ser hospitalizadas. Mas o que explicaria isso?
Abelhas em apartamentos, em casas, sobre veículos… Nos últimos dias, as ocorrências envolvendo o inseto têm se intensificado em Goiás, o que pode representar perigo. Por trás desses episódios, há o impacto humano no meio ambiente, o que reflete diretamente no cotidiano das pequenas voadoras, e também uma curiosa história sobre o ciclo da vida delas.
Só neste ano o Corpo de Bombeiros de Goiás já atendeu mais de 2 mil ocorrências envolvendo abelhas, marimbondos ou similares.
Espécie de abelha do tipo caga fogo, em poste do Jardim América, em Goiânia Vinícius Schmidt/Metrópoles
Abelhas do tipo Jataí em colônia no Jardim América, em Goiânia Vinícius Schmidt/Metrópoles
Abelhas do tipo Iraí em árvore de bairro residencial de Goiânia Vinícius Schmidt/Metrópoles
“A cidade está sendo invadida por enxames. A gente faz captura todos os dias”, relata o professor de apicultura do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), Julio Portes, que auxilia no atendimento dessas ocorrências pela cidade.
Desmatamentos e queimadas, que aumentam no atual período seco, são uma parte da explicação para esse fenômeno. Há outro quesito que também tem relação com a multiplicação natural das abelhas e as flores do Cerrado, segundo três especialistas ouvidos pelo Metrópoles.
Crescei e multiplicai
O Cerrado brasileiro está no período chamado de florada, no qual a vegetação está cheia de flores. Isso significa mais alimento para as abelhas, que consomem pólen, néctar e resinas, segundo o professor Julio.
Com mais alimento, as abelhas se multiplicam mais e ocorre o período chamado de enxame ação, ou seja, a divisão da colônia. Comandada por uma nova rainha, metade das abelhas da colmeia sai à procura de um lugar para construir outra moradia.
Colônia de abelha tiúba, legítimas do Cerrado e sem ferrão Vinícius Schmidt/Metrópoles
Professor de Zootecnia da UEG, João Vitor, cria colônia de abelha tiúba
Professor relata que moradores destroem colônia de abelhas sem ferrão, por não saberem que são inofensivas
Abelhas nativas sem ferrão têm comportamento diferente das exóticas, com ferrão Vinícius Schmidt/Metrópoles
“Sempre aconteceu isso, mas está mais intenso no momento, porque o Cerrado está sendo extinto. A previsão é que o Cerrado vai se reduzir somente a parques até 2030”, alerta Julio Portes.
Pit-stop das abelhas
Durante a viagem do enxame em busca de um novo lar, as abelhas acabam se aglomerando em residências e veículos, explica o professor de Zootecnia da Universidade Estadual de Goiás (UEG), Paulo Vitor Divino Xavier de Freitas.
O professor relata que, com a menor presença de árvores, o enxame tem dificuldade de achar troncos mais grossos, com espaços ocos, ideais para construir a colônia.
Bombeiro teve que vestir roupa especial Reprodução/CBMGO
Bombeiros aspiram abelhas de moto em Cristalina (GO) Corpo de Bombeiros de Goiás
Bombeiro teve que vestir roupa especial Reprodução/CBMGO
No começo de setembro, os bombeiros de Goiás foram acionados para duas ocorrências de enxame de abelhas sobre motocicletas, em Caldas Novas, no sul do estado, e Cristalina, no Entorno do Distrito Federal.
Paulo Vitor avalia que, nesses casos, as abelhas podem ter ficado sobre o veículo para “descansar”. Durante a saga para construir uma nova moradia, os insetos param para evitar gasto de energia. Esse comportamento é específico das abelhas com ferrão.
“Quando elas se agrupam e param em árvores, automóveis e motocicletas, saem algumas abelhas para procurar um local. Quando encontram, elas retornam e comunicam o enxame”, explica o professor da UEG.
Já no dia 5 de setembro, houve um ataque de abelhas a um grupo que fazia escalada em Hidrolândia, na região metropolitana da capital. Neste caso, pelo menos, elas não chegaram a “invadir” a cidade, pois o fato ocorreu na zona rural. De toda forma, as pessoas estavam no caminho do enxame.
Resultado: o grupo de 23 pessoas virou alvo. Vinte pessoas foram feridas, dentre as quais seis precisaram ser hospitalizadas. Até mesmo o helicóptero do Corpo de Bombeiros foi usado na ocorrência.
Perigo eminente
Os especialistas ouvidos pela reportagem ressaltam que nem todas as abelhas possuem ferrão. Pelo menos 140 espécies do Cerrado não têm ferrão, de acordo com Paulo Vitor.
No entanto, é preciso ter cuidado quando visualizar o enxame. A orientação é ficar longe do local, evitar qualquer barulho e acionar o Corpo de Bombeiros ou o departamento de zoonoses. Não se deve destruir a colmeia ou tentar matar o enxame. Ambos são indispensáveis para a manutenção da biodiversidade.
Pia da cozinha ficou tomada por milhares de abelhas em Aparecida de Goiânia Reprodução/Arquivo pessoal
As abelhas invadiram a cozinha da casa e assustaram moradores em Aparecida de Goiânia Reprodução/Arquivo pessoal
Os insetos foram retirados da residência pelo Corpo de Bombeiros em Aparecida de Goiânia Reprodução/Arquivo pessoal
Caso tenha sido atacado, a orientação é correr na direção oposta ao enxame e proteger o pescoço com roupas. Quando uma abelha ferroa, é liberado um feromônio, que chama outros insetos. Elas se comunicam pelo cheiro, ensina o professor da UEG.
Desmatamento violento
Maria José Oliveira de Faria Almeida, há mais de 50 anos, trabalha com apicultura, que é a criação de abelhas. Ela é presidente da Associação dos Apicultores de Goiás e cria colmeias no meio do Cerrado para produção de mel.
Presidente da Associação de Apicultores de Goiás produz mel no meio do Cerrado Vinícius Schmidt/Metrópoles
Fazendeira que trabalha há mais de 50 anos com abelhas vê aumento de desmatamento Vinícius Schmidt/Metrópoles
Fazenda de Abelhas em Senador Canedo, região metropolitana de Goiânia Maria José Almeida
Em sua experiência, Maria José diz que tem visto um desmatamento violento e triste do Cerrado.
“Nossas abelhas não estão muito próximas da cidade. Como estão derrubando o Cerrado, a gente tem que ir em locais cada vez mais distantes, onde tenha vegetação”, explica a presidente.
Além da destruição da vegetação, a apicultora também aponta que muitas abelhas estão morrendo por conta de defensivos agrícolas usados, muitas vezes de modo inadequado, em plantações de soja.
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