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Maior tatu do mundo, antes envenenado por apicultores, é salvo por mel especial

Para os tatus-canastra, é uma refeição fácil e rica em proteínas. Para os apicultores, isso significa a perda de seu sustento, levando alguns a envenenar os tatus em retaliação.

Para minimizar esse conflito entre o homem e o animal, Desbiez encontrou uma solução: mel próprio para tatus.

“Decidimos encontrar uma maneira de promover a coexistência entre os apicultores e os tatus-canastra”, disse ele.

Os apicultores que adotarem medidas de mitigação para proteger suas colmeias dos tatus-canastra e, ao mesmo tempo, para garantir que a espécie não seja prejudicada, receberão um certificado de mel amigo dos tatus, que poderá ser adicionado aos seus produtos para notificar os compradores e aumentar o valor do mel.

“A certificação proporciona um maior valor agregado ao mel, de modo que podemos vendê-lo a um preço melhor”, disse à Mongabay Antonio Adames, um apicultor do Cerrado que está envolvido no Projeto Canastras e Colmeias.

Com o certificado, Adames disse que vende seu mel amigo dos tatus por 20% a mais do que o mel comum. Para aqueles que vendem seu mel em mercados locais, o projeto os incentiva a proteger os tatus fornecendo-lhes abelhas-rainhas, que são mais valiosas para os pequenos apicultores do que os certificados.

“A ideia é sempre que a coexistência com os tatus-canastra traga benefícios”, disse Desbiez.

A gestação do tatu-canastra só ocorre a cada três anos, e nasce apenas um filhote por vez
A gestação do tatu-canastra só ocorre a cada três anos, e nasce apenas um filhote por vez Imagem: Divulgação/Icas

Conflitos entre os tatus e os apicultores

Desbiez ouviu falar pela primeira vez sobre o conflito entre o tatu-canastra e apicultores em 2015, durante uma expedição de campo no Cerrado, bioma altamente fragmentado, tendo sido desmatado a uma taxa 2,5 vezes maior do que seu bioma vizinho, a Amazônia.

Mais da metade do Cerrado foi transformada em áreas de monocultura de eucalipto, soja e cana-de-açúcar ou pastagens para o gado.

Os fragmentos restantes de vegetação nativa são compartilhados por tatus e apicultores, que colocam suas colmeias perto das flores do Cerrado. É essa sobreposição de habitat que leva a conflitos entre a vida selvagem e os seres humanos.

Em um estudo de 2020, os pesquisadores entrevistaram 178 apicultores – 53% dos quais têm mais da metade de sua renda sustentada pela apicultura – no Cerrado e descobriram que 46% deles relataram que os tatus-canastra danificaram suas colmeias nos 12 meses anteriores, gerando perdas financeiras de pelo menos 518 mil reais.

O registro raro do acasalamento do tatu-canastra foi divulgado nas redes sociais
O registro raro do acasalamento do tatu-canastra foi divulgado nas redes sociais Imagem: Reprodução

O mesmo estudo descobriu que os tatus-canastra podem derrubar e quebrar até cinco colmeias em uma noite. Um apicultor perdeu 120 colmeias em duas semanas, enquanto outro perdeu 460 colmeias (o equivalente a 230 mil reais) durante seus 14 anos como apicultor.

Outros tiveram de abandonar áreas específicas onde produziam mel devido aos tatus, e alguns apicultores contaram sobre colegas que desistiram completamente da apicultura depois de sofrerem perdas econômicas significativas.

O tatu-canastra é a maior de todas as espécies de tatu, com até 1,5 metro de comprimento e peso de até 60 quilos. As armadilhas fotográficas revelam que eles se levantam sobre as patas traseiras e empurram colmeias de até 35 quilos com a cabeça e o nariz, resistindo às picadas dos enxames de abelhas furiosas graças à sua pele grossa e à armadura protetora.

A perda de meios de subsistência fez com que alguns apicultores envenenassem os tatus para evitar que eles atacassem as colmeias, o que pode ter um impacto devastador sobre as populações do animal.

Os tatus têm apenas um filhote a cada três anos e só atingem a maturidade sexual aos 7 ou 8 anos de idade. Como resultado, a “perda de um único indivíduo pode ter impactos significativos nas populações”, de acordo com um estudo de 2021.

Obtenção de certificação

Como parte do Projeto Canastras e Colmeias, Desbiez usa monitoramento, pesquisa e educação para desenvolver o mel amigo dos tatus, que apoia tanto a conservação dos tatus-canastra quanto a subsistência dos apicultores.

Para obter o certificado, os apicultores devem adotar medidas específicas de mitigação, como o uso de suportes elevados ou cercas elétricas com barreiras subterrâneas para evitar que os tatus façam túneis.

Cerrado tem sido a área mais desmatada do pais nos últimos dois anos
Cerrado tem sido a área mais desmatada do pais nos últimos dois anos Imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Segundo Desbiez, os suportes de 1,3 metro de altura provaram ser os mais eficazes, pois são de baixo custo e podem ser feitos com materiais de fácil acesso. Os apicultores também garantem se comprometer com outras práticas sustentáveis, como adotar medidas de segurança ao usar fumaça para evitar riscos de incêndio e não desmatar.

Os apicultores são atores muito especiais. São pessoas que amam a natureza. Eles dependem de flores silvestres e da natureza intocada. Eles estão muito mais dispostos a coexistir com a vida selvagem.

Arnaud Desbiez, biólogo conservacionista e presidente do Instituto de Conservação de Animais Silvestres (Icas)

Ao colaborar estreitamente com os apicultores, Desbiez ajudou a emitir mais de cem certificados em todo o Cerrado do Mato Grosso do Sul e agora está trabalhando para ajudar produtores da Floresta Amazônica, que também procura evitar que os tatus-canastra ataquem suas colmeias.

“Esses conflitos ocorrem sempre em áreas onde o habitat foi bastante alterado”, disse Desbiez. “No Pantanal, isso não acontece porque o habitat é mais intocado.”

Quando não conseguem comer as larvas de abelha, os tatus-canastra voltam a procurar formigas e cupins para se alimentar. “Evitar que [eles comam larvas] não os diminui nem os prejudica de forma alguma”, disse Desbiez. “Isso apenas permite que eles coexistam com os apicultores.”

A proteção dos tatus-canastra ajuda a sustentar outras espécies nas regiões do Cerrado e da Amazônia. O tatu-canastra é conhecido por cavar tocas de cinco metros de profundidade, que fornecem abrigo contra predadores e o calor extremo da região para mais de vinte outros tipos de espécies, incluindo queixadas, jaguatiricas e tamanduás.

Um estudo de 2013 referiu-se ao tatu-canastra como “um engenheiro de ecossistemas” que “pode ser de alto valor para a comunidade de vertebrados”.

Gerenciamento de esforços de mitigação

As medidas de mitigação devem ser gerenciadas cuidadosamente para garantir que os métodos empregados contra o ataque dos tatus-canastra às colmeias funcionem com sucesso. “Se você encontrar uma solução, os apicultores ficarão felizes em coexistir”, disse Desbiez.

“No entanto, a pesquisa mostra que os apicultores que tentaram vários métodos sem sucesso começam a ficar frustrados e é aí que a retaliação é possível.”

Um estudo de 2021 analisou a gravidade dos conflitos entre tatus-canastra e apicultores usando uma estrutura de interação entre humanos e animais selvagens.

O estudo constatou que os conflitos são de nível um, o tipo menos severo, o que “significa que a relação negativa entre apicultores e tatus-canastra ainda não está enraizada em desacordos sociais menos visíveis e mais complexos, mas fundada em uma disputa material: a destruição de colmeias”.

O estudo também descobriu que “em média, os apicultores tinham atitudes favoráveis em relação aos tatus-canastra”.

Como os conflitos decorrem de razões puramente econômicas, eles tendem a ser mais fáceis de resolver. Em comparação, os conflitos entre a onça-pintada e os fazendeiros no Pantanal são mais complexos devido a uma longa história de perseguição aos grandes felinos em retaliação à predação do gado e a uma percepção profundamente enraizada deles como pragas, classificando-os como um “conflito de nível três”, disse Desbiez.

“Quando o conflito aumenta, ele se torna um conflito que também tem valores sociais, em que as pessoas já não gostam do animal além do conflito específico”, disse ele. “Há valores sociais negativos de que as onças são ruins. Temos muita sorte de que, com os tatus-canastra, não temos essa percepção.”

Nos locais onde os métodos de mitigação estão em vigor e os certificados foram emitidos, as relações entre apicultores e tatus melhoraram significativamente, tanto no Cerrado quanto na Amazônia, e as matanças por retaliação cessaram.

“Estamos vivendo pacificamente com eles hoje”, disse Adames. “Eles não estão mais perturbando as colmeias. Tudo está indo bem.”

(Por Sarah Brown)

Esta reportagem foi originalmente publicada no site da Mongabay Brasil.


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