Combinar o uso das duas substâncias pode aumentar o risco de lesão hepática
Com a chegada das férias, é comum observarmos um aumento no consumo de bebidas alcoólicas em celebrações e confraternizações. Neste período festivo, é crucial conscientizar a população sobre os perigos associados à combinação de álcool e medicamentos, em especial o paracetamol e outros analgésicos.
O descuido ao misturar álcool com paracetamol pode resultar em consequências sérias para a saúde, incluindo danos ao fígado e outros efeitos adversos. Muitas vezes, as pessoas podem esquecer se já tomaram algum medicamento ou não, comprometendo ainda mais o funcionamento do órgão.
Apesar de ser apenas 2% do peso corporal de um adulto, o fígado é responsável por uma série de funções referentes ao metabolismo. Localiza-se ao lado direito do abdômen, participa da digestão, desintoxicação, imunidade e até mesmo no armazenamento de nutrientes como glicose, lipídeos, proteínas, ferro e vitaminas. Aliás, é por isso que o fígado de boi é tão rico em nutrientes.
De acordo com Thiago de Melo, farmacêutico, professor de pós-graduação nos cursos de Ciências Farmacêuticas e Farmacologia e no curso de graduação de Medicina da Universidade Vila Velha (UVV), essa potência também tem a sua fraqueza. “Além do consumo de bebidas alcoólicas, a presença de vírus causadores de hepatite e o uso de medicamentos como isotretinoína (famoso “Roacutan”) entre outros para combater a tuberculose (rifampicina, pirazinamida, isoniazida) e câncer (vincristina, metotrexato, ciclofosfamida) podem causar lesões no fígado”, aponta o especialista.
Entretanto, um famoso analgésico conhecido como paracetamol pode contribuir para impactar de forma negativa o bom funcionamento do órgão, caso ultrapasse a dosagem recomendada. “Se a exposição à substância ultrapassar a dose aproximada de 4 g/dia em adultos ou 50–75 mg/kg/dia em crianças, ocorrem diversos problemas. Registros na literatura mostram que se uma pessoa consumir de uma vez o equivalente a dez comprimidos de 750mg (ou mais de 150 mg/Kg em crianças), os danos no fígado e rins podem ser irreversíveis”, alerta o professor.
Os resultados dos pacientes dependem da fase do envenenamento por paracetamol em que o tratamento é iniciado. Se o antídoto for administrado durante a fase um (nos casos em que o histórico médico revela uma suspeita de overdose de paracetamol), espera-se uma recuperação com apenas um período transitório de lesão hepática.
A administração de N-acetilcisteína impedirá que a maioria dos pacientes progrida além da fase dois da lesão hepática. A presença de envolvimento de outros órgãos, como estado mental alterado ou insuficiência renal aguda, causam um pior prognóstico e é muitas vezes uma indicação para monitorar o paciente em um ambiente de cuidados intensivos.
Fatores que podem aumentar a intoxicação pelo paracetamol são ocasionados por altas doses (acima de 4g/dia), consumo crônico de álcool, tabagistas, idosos, desnutridos, doenças hepáticas prévias.
Vale ressaltar que não é o paracetamol o fármaco tóxico. De acordo com o especialista, a substância precisa ser convertida pelo próprio fígado em um metabólito chamado NAPBQI (N-acetilparaiminobenzoquinona) para então tornar-se algo danoso ao organismo. “É como se fosse uma granada que precisa ser retirado o pino para que ela exploda. Doses entre 1 e 2g/dia em adultos e 50–75 mg/kg/dia em crianças, há “soldados de sobra” para desarmar essa bomba, chamados de glutationa, que estão na linha de frente. Por isso, em caso de dores leves/moderadas e febre, o remédio apresenta boa margem de segurança. Dois comprimidos por dia de paracetamol 750 mg não são capazes de causar danos no fígado. O problema é quando a dose ultrapassa 3.5 a 4g/dia”, avalia.
O farmacologista separou algumas dicas sobre remédios que podem conter a substância:
– Relaxantes musculares (Tandrilax®, Beserol®), antigripais (Resfenol®, Naldecon®), analgésicos (Paco®, Tylex®) possuem paracetamol e devem ser levados em consideração na conta da exposição diária.
– Evite o consumo de bebidas alcoólicas e cigarro. Eles aumentam a formação da “bomba”.
– Alimentar-se bem durante o uso de paracetamol. O jejum prolongado pode diminuir a oferta dos soldados que “desarmam a bomba” (glutationa).
- Durante a COVID-19 o consumo de N-Acetilcisteína (NAC) foi muito alto e não foi apenas pelo seu efeito expectorante. É que essa substância também pode atuar prevenindo as lesões no fígado por paracetamol. Ele aumenta a composição formando mais glutationa. Um sachet de 600mg/dia de NAC nos dias de resfriado e gripe com paracetamol podem ser interessantes.
*Thiago de Melo Costa Pereira é pesquisador, professor, palestrante e escritor. Ao longo de sua carreira, prof. Thiago tem demonstrado a importância da educação continuada em farmacologia para os profissionais de saúde do Brasil. De uma forma dinâmica e aplicada ao contexto prático nacional, suas aulas de farmacologia têm sido fonte de inspiração para gerações de alunos tanto de graduação quanto de pós-graduação.
Farmacêutico desde 2002, graduado em Farmácia pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Mestre (2005), Doutor (2009) em Ciências Fisiológicas pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e Pós-Doutor em Farmacologia pela Universidade de Santiago de Compostela- Espanha (2018).
Atualmente é pesquisador na área de Ciências Farmacêuticas e professor de pós-graduação (Ciências Farmacêuticas e Farmacologia), graduação (Medicina) – Universidade Vila Velha (UVV).
Já publicou mais de 75 artigos em revistas científicas internacionais (fator H= 30). É pesquisador bolsista do CNPq (2A, área de farmácia) e autor do livro “Biblioquímica – Evidências das Ciências Biomédicas na Bíblia”.
Para mais informações, acesse o site, no instagram @farmaconapratica e também pelo canal no YouTube que atualmente conta com 211 mil inscritos.
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