Dra Karen Scavacini, fundadora do Instituto Vita Alere, fala sobre o crescimento do número de usuários do Ozempic para alcançar um padrão de beleza que se torna cada vez mais magro e como isso pode impactar a saúde mental
Uma alternativa de tratamento para pacientes com diabetes tipo 2, o Ozempic vem ganhando cada vez mais adeptos por conta de um efeito colateral: a perda de peso. Em uma breve explicação, o Ozempic é um agonista do receptor GLP-1 que ajuda a regular os níveis de açúcar no sangue através da liberação de insulina. Um de seus efeitos colaterais é a redução significativa do apetite, que leva o usuário à perda de peso. Esta descoberta levou muitos a utilizarem Ozempic como um tratamento para obesidade, mesmo que essa não seja sua indicação primária. Mas… o que poderia ser um auxílio a pacientes obesos no tratamento da obesidade virou mania mundial.
Recentemente a marca alemã Namilia desfilou nas passarelas da Berlin Fashion Week uma camiseta com os dizeres “I Love Ozempic”. O desfile, claro, virou polêmica e trouxe ainda mais para a superfície uma triste realidade: pessoas que não são pacientes obesas estão usando Ozempic para um rápido emagrecimento e, ainda pior, cultuando a medicação como um estilo de vida. Muitas dessas pessoas usuárias da medicação já são magras, mas estão em busca de números cada vez maiores em seus manequins.
Chamado de “Efeito Ozempic”, muitos profissionais da saúde estão questionando o uso desenfreado da medicação que, pode, inclusive afetar a saúde mental dos pacientes. Dra Karen Scavacini, psicóloga e fundadora do Instituto Vita Alere, fala sobre o tema: “É bastante preocupante ver uma medicação se tornando um adjetivo. Não é incomum pessoas dizerem que estão exibindo suas “Ozempic Faces”, ou seja, seus rostos magérrimos e um pouco flácidos – um efeito colateral do emagrecimento rápido – resultados do uso da medicação. Foi criada uma comunidade em cima de um remédio e isso é mais grave do que se imagina”.
Namilia, a marca de moda, trouxe não apenas esse modelo de camiseta, mas outros com frases como “a magreza está em alta” e “cultura da dieta” como forma de alertar o mercado sobre esse padrão que vem sendo difundido. “A moda é também uma forma de expressão e reflexo da sociedade. Uma marca de moda trazendo para a passarela de uma semana de moda importante, como é a de Berlim, ajuda a trazer uma discussão necessária para conscientizarmos mais as pessoas sobre esse tema”, diz Dra Karen, que continua: “A busca desenfreada para pertencer ao que se considera o padrão de beleza precisa ser contida. Se a obesidade é uma doença séria, a desnutrição também o é e estamos caminhando para ter dois problemas completamente opostos mas igualmente perigosos”.
Os impactos do uso do Ozempic e de medicamentos similares não se dão apenas na saúde física; eles influenciam diretamente a manutenção da saúde mental. “A partir do momento em que a pessoa usa uma medicação para diabetes com o objetivo de perder peso – e sem indicação de um profissional de saúde sério – nos acende a luz de alerta. “Como essa pessoa percebe a sua imagem no espelho?”, “A quem ela deseja agradar esteticamente?”, “Por que deseja alcançar um padrão de beleza que, muitas vezes, ela nem considera bonito?” são algumas das perguntas que devem ser feitas. “Uma pessoa em busca do padrão magro – muitas vezes até demais – que a sociedade ainda impõe podem desencadear desenvolvimento de transtornos alimentares e de imagem, ansiedade, depressão e em casos mais graves, até mesmo o suicídio”, fala a fundadora do Vita Alere, que dedica boa parte de seus projetos na prevenção do suicídio. “Casos em que a pessoa morre por suicídio porque não se acha suficientemente boa para o mundo não são raros e quando vemos o público, mulheres principalmente, buscando corpos perfeitos a custo de sua saúde mental, imediatamente precisamos nos preocupar. O que começa com o objetivo de perder “alguns quilos” se transforma em um distúrbio de imagem tão sério que a pessoa não sabe mais parar o emagrecimento, adoecendo fisicamente também”, completa Karen.
“A estética é resultado não apenas da aparência física – que é particular a cada pessoa, mas é principalmente resultado de um estilo de vida saudável e, mais importante ainda, com autoestima. Corpo bonito de verdade é aquele que reflete a pessoa feliz que está dentro dele e isso independe do tamanho da roupa que ela veste. Um corpo magro com uma mente doente não tem nada de bonito. Passou da hora de defendermos a saúde como beleza”, fala a psicóloga.
O debate é longo e a mudança de pensamento da sociedade depende de todos nós. Cada pessoa da cadeia produtiva da moda – de agências de modelo que incentivam meninas de 14 anos a passarem por dietas não saudáveis e uso de medicamentos para emagrecer em troca de uma vida de sucesso, passando pelas marcas de moda – que devem cada vez mais trazer a diversidade de corpos para a passarela e finalizando no público final, todos temos um papel fundamental para uma sociedade mentalmente mais saudável. Que cada pessoa e empresa não só saiba, mas exerça o seu papel.
Sobre a Dra Karen Scavacini:Dra Karen Scavacini é idealizadora, cofundadora, coordenadora e responsável técnica do Instituto Vita Alere de Prevenção e Posvenção do Suicídio. Formada em psicologia, Karen é doutora em “Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano” pela USP e mestre em “Saúde Pública na área de Promoção de Saúde Mental e Prevenção ao Suicídio” pelo Karolinska Institutet, localizado na Suécia.
É representante do Brasil no IASP (International Association for Suicide Prevention), membro da American Association for Suicide Prevention, nos Estados Unidos; do LIFE (Living is for Everyone), na Austrália; do Global Mental health Action Network (GMHAN), e do Global Psychology Network, além de autora de um livro que auxilia pais e educadores a conversarem sobre suicídio, “E agora? – Um livro para crianças lidando com o luto por suicídio”. Além disso, é membro do “SSI Advisory Commitee” do Facebook e grupo Meta.
Palestrante, Dra Karen participou de eventos nacional e internacionais falando sobre a importância de se falar sobre saúde mental, prevenção e posvenção do suicídio. Entre os eventos participantes estão o Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Sirio Libanês, o IPQ USP – Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e a Faculdade Getúlio Vargas (FGV).
Sobre o Instituto Vita Alere:
O Instituto Vita Alere tem por visão uma sociedade mais aberta e atenta à saúde mental dos indivíduos, organizações e da própria sociedade, onde a promoção da saúde mental seja um objetivo contínuo, reduzindo preconceitos, criando consciência pública, falando abertamente, valorizando a vida, promovendo formas mais saudáveis de se relacionar e enfrentar os sofrimentos existenciais, facilitando a recuperação e tratamento.
Pioneiro no Brasil em sua área, foi fundado em 2013 com a missão de promover a saúde mental do indivíduo, organizações, instituições e sociedade, com o foco na promoção de saúde mental, prevenção e posvenção do suicídio e autolesão, sendo referência na área através do desenvolvimento de projetos, tratamento especializado, pesquisa e atividades de educação, suporte e apoio, com inovação, dedicação, respeito e cuidado.
Prima Donna – Comunicação e Empreendedorismo
Tatiana Fanti
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