A recente crise em Bangladesh, que resultou em mais de 100 mortes durante protestos e no desligamento sem precedentes da internet e corte nos serviços de telefonia do país pelo governo, levanta a questão: seria possível fazer o mesmo no Brasil?
A decisão do governo bangladeshiano de cortar a comunicação durante um período de intensa instabilidade política e social levanta discussões sobre a possível vulnerabilidade das infraestruturas de internet em outros países, incluindo o Brasil.
Com uma rede de internet altamente descentralizada e uma dependência crescente de serviços digitais em vários setores, desligar a internet no Brasil teria implicações profundas e complexas.
Para entender melhor essa situação hipotética (afinal, não existe nenhuma previsão de um acontecimento como estes no Brasil), o Olhar Digital consultou dois especialistas em tecnologia, Lucas Gilbert e Arthur Igreja, que ofereceram suas perspectivas sobre os desafios técnicos, logísticos, legais e econômicos envolvidos em tal operação.
Tecnicamente, desligar a internet no Brasil é possível, mas extremamente complexo, explicam os especialistas.
A infraestrutura da internet é altamente descentralizada, composta por uma vasta rede de cabos de fibra óptica, satélites e torres de comunicação distribuídas pelo país. “Para desligar completamente a internet, seria necessário coordenar o desligamento de todos esses sistemas simultaneamente, o que é uma tarefa monumental”, explica Lucas Gilbert.
Arthur Igreja complementa que a internet no Brasil possui muitos caminhos redundantes e uma capilaridade de provedores que tornam a operação impraticável sem uma determinação estatal impositiva. Em regimes democráticos, como o Brasil, ele explica, uma medida desse tipo é improvável devido à falta de centralização de poder que caracteriza governos autoritários.
Em um cenário completamente apocalíptico, sim, mas temos que levar em conta o contexto. O que ocorre em Bangladesh tem muito mais a ver com autoritarismo, com centralização de poder. É parecido com a indisponibilidade de comunicações que tem em Cuba, na Coreia do Norte.
Desafios técnicos e logísticos
Os desafios técnicos incluem a necessidade de desativar simultaneamente uma rede descentralizada de infraestruturas variadas, desde DSL até redes móveis 5G.
Gilbert ressalta que cada provedor de internet, grande ou pequeno, precisaria ser desligado de maneira coordenada, o que requereria uma colaboração em larga escala. “A internet no Brasil é composta por uma rede descentralizada de cabos de fibra óptica, satélites, torres de comunicação e data centers distribuídos por todo o país. Coordenar o desligamento de todos esses componentes simultaneamente é extremamente complexo.”
Logisticamente, ele explica, desligar a internet envolveria a coordenação entre diversas agências governamentais, empresas privadas e entidades reguladoras. A continuidade de serviços essenciais, como saúde e segurança pública, que dependem da internet, teria que ser garantida, o que representa um desafio crítico.
Igreja segue a mesma linha de pensamento, destacando que isso “só ocorreria por determinação impositiva, mas não por uma questão técnica”. Ele continua, afirmando que “tecnicamente, teria que ser um ataque colossal, algo com escala global para conseguir tirar um país do ar”.
Quanto ao tempo de restabelecimento, Gilbert estima que poderia levar de alguns dias a várias semanas, dependendo da extensão do desligamento e da condição da infraestrutura. O processo inclui diagnóstico de danos, reparos e reinicialização de sistemas em todo o país, seguido pela restauração gradual dos serviços pelos ISPs. “Reparos poderiam levar de alguns dias a várias semanas, dependendo da gravidade dos danos.”
O que diz a legislação brasileira?
A legislação brasileira, incluindo o Marco Civil da Internet, protege a liberdade de expressão e o direito de acesso à informação. Gilbert destaca que qualquer medida para desligar a internet seria vista como uma violação desses direitos fundamentais, podendo levar a conflitos legais e políticos.
O Marco Civil protege a liberdade de expressão e o direito de acesso à informação, o que torna o desligamento total da internet uma medida extrema e potencialmente ilegal.
Arthur Igreja reforça que, em um país sem envolvimento em conflitos ou guerras, não há previsão legal para um desligamento total da internet. Tal ação seria, portanto, não apenas tecnicamente difícil, mas também juridicamente contestável.
“[Na legislação brasileira] não está previsto de forma alguma [o desligamento da internet], especialmente o Brasil, que não está envolvido em nenhum conflito ou guerra”, destaca ele.
Impacto econômico de um desligamento da internet no Brasil
Logicamente, o impacto econômico desta situação hipotética seria devastador, afetando diretamente a produtividade e a capacidade de operação de empresas em diversos setores.
Arthur Igreja enfatiza que a paralisação seria imediata, resultando em um colapso total das atividades econômicas e sociais. “Hoje em dia, em um cenário hipotético, para tudo. Seria o completo colapso, não se conseguiria fazer mais nada.”
Ele explica que a comunicação, tanto pessoal quanto profissional, seria gravemente afetada, prejudicando a comunicação rápida e eficaz. Empresas de transporte e logística também enfrentariam atrasos significativos, aumentando os custos operacionais.
Gilbert aponta que o comércio eletrônico, setor financeiro e indústria de tecnologia seriam gravemente impactados. A interrupção do serviço resultaria em perdas de receita significativas e potencial fechamento de negócios. “O setor de comércio eletrônico seria gravemente impactado. Lojas online, marketplaces e serviços de entrega dependem da internet para suas operações diárias.”
Setores essenciais como saúde, segurança pública e comunicações seriam severamente prejudicados. Hospitais e clínicas, que dependem de sistemas de prontuários eletrônicos e telemedicina, enfrentariam dificuldades operacionais. Forças de segurança, que utilizam sistemas de monitoramento e comunicação baseados na internet, teriam sua eficiência comprometida.
Seria possível desligar a internet em todo o país?
Em resumo, embora tecnicamente possível, desligar a internet no Brasil é uma medida extremamente complexa e impraticável.
A infraestrutura descentralizada e a necessidade de coordenar o desligamento de múltiplos provedores de serviços de internet representam desafios técnicos significativos.
Além disso, a operação exigiria uma coordenação logística em larga escala para garantir a continuidade de serviços essenciais, como saúde e segurança pública, aumentando ainda mais a complexidade da tarefa.
As consequências de tal medida seriam graves para a sociedade e a economia, afetando diretamente a produtividade, o comércio eletrônico, o setor financeiro e diversos outros segmentos que dependem da internet.
As proteções legais, como o Marco Civil da Internet e os direitos constitucionais, somadas aos desafios técnicos e logísticos, tornam a hipótese de desligamento total da internet inviável em circunstâncias normais.
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