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O homem cordial e o projeto de isenção do Imposto de Renda

Caio Cesar Braga Ruotolo. Advogado tributarista em São Paulo. Sócio do escritório Silveira Law Advogados.

Há no Brasil, desde os longes da sua formação, o chamado “homem cordial”, conceito dado por Sérgio Buarque de Holanda em sua célere obra “Raízes do Brasil”.

Segundo o autor, trata-se de uma característica do brasileiro que se manifesta na dificuldade de separar o público do privado, o que pode levar ao patrimonialismo e ao favorecimento de interesses pessoais em detrimento do bem coletivo.

Neste aspecto nossa “elite cordial”, aqueles que ganham mais de R$ 100 mil por mês, e cujo projeto de lei pretende tributar no mínimo em 10% de imposto de renda no nível da pessoa física, bem como isentar quem ganha até R$ 5 mil por mês, está em polvorosa, sem necessidade.

Sabemos que o Brasil é um país sem justiça tributária, pois nosso sistema é amplamente regressivo e desigual. No Brasil, a arrecadação advém principalmente de impostos indiretos como ICMS e PIS/COFINS sobre bens e serviços. Isso faz com que pessoas de baixa renda paguem proporcionalmente mais, pois gastam mais de sua renda em produtos básicos.

Além disso, trabalhadores assalariados podem pagar até 27,5% de Imposto de Renda, grandes fortunas e lucros de dividendos são pouco ou nada tributados.

O projeto de lei nº 1087/25, que foi apresentado pelo governo federal junto à Câmara dos Deputados, em que pese iniciar uma discussão mais concreta sobre a regressividade do nosso sistema, não corrige adequadamente a tabela do IRPF, nem mesmo pela inflação, o que faz com que pessoas de renda média-baixa sejam tributadas como se fossem de alta renda. Isso aumenta a carga tributária sobre as classes menos favorecidas.

Grandes empresas e indivíduos de alta renda frequentemente utilizam subterfúgios legais para reduzir ou evitar o pagamento de impostos, enquanto trabalhadores assalariados têm seus impostos descontados diretamente na fonte.

Estados mais pobres, como os do Norte e Nordeste, bem como mais de 95% dos 5.570 municípios desse Brasil, enfrentam dificuldades para arrecadar impostos devido à menor atividade econômica, o que perpetua desigualdades regionais, muitos sobrevivem tão somente dos repasses constitucionais da arrecadação do Imposto de Renda federal.

O cerne do projeto prevê que rendimentos até R$ 5 mil terão redução de até R$ 312,89, tornando o imposto devido zero e rendimentos entre R$ 5.000,01 e R$ 7 mil terão uma redução decrescente.

Por sua vez, buscando compensar essa perda de arrecadação, lucros e dividendos superiores a R$ 50 mil por mês, pagos por uma pessoa jurídica a uma pessoa física, serão tributados em 10%.

Pessoas físicas com rendimentos anuais superiores a R$ 600 mil serão sujeitas ao denominado Imposto de renda pessoa física mínimo (IRPFM), com alíquotas variando de 0% a 10% dependendo do valor dos rendimentos.

Este é o conceito da propositura, que certamente deverá sofrer alterações durante o trâmite legislativo, mas já adiantamos que a ideia é correta, vale dizer, a tributação mínima para altas rendas reflete debates globais sobre tributação progressiva.

Estudos como os de Thomas Piketty destacaram a desigualdade de renda e influenciaram discussões sobre justiça tributária. Especialistas apontam que a proposta brasileira busca reverter a regressividade do sistema tributário, alinhando-se a práticas internacionais.

É nesse caldeirão de interesses do “homem cordial” brasileiro, que o projeto de lei vai mergulhar, na tentativa de reduzir desigualdades, em busca de uma justiça tributária.


Andrezza Oliveira
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