PARÓDIA ELEITORAL
Alguns anos atrás, movido por minha arraigada e secular ojeriza à politicalha tupiniquim, perpetrei algumas paródias musicais. Injetava doses cavalares de verrina em músicas conhecidas, transformando-as em flechadas contra certos costumes políticos. Minha reconhecida modéstia me proíbe autoelogios pelas obras-primas que produzi naquela ocasião, e só incluo aqui alguns exemplos para o efeito de mostruário, caso algum leitor marqueteiro resolva valer-se da minha experiência no assunto. Começo transcrevendo uma das estrofes inspiradas na Moda da pinga:
O meu candidato topa desafio
E promete ponte onde não tem rio
E promete escola pra educar meus fi-io
E encher meu bolso que nasceu vazio
Mas depois de eleito fica no macio.
Estes versos me pareceram muito benignos, tanto que desisti de contratar um cantor profissional para colocá-los ao alcance do distinto público.
O caixa 2 de campanhas políticas (crime do qual um cacique partidário se autoacusou, alegando que “todos fazem”) foi grudado na música infantil Vem cá, Bitu, reeditada para festas juninas como Cai cai, balão. A paródia dizia:
Cai cai, bilhão, cai cai, bilhão
Aqui na minha mão.
Quero mais, quero mais, muito mais
Para a próxima eleição.
Companheira desta era a cantiga de roda Tira o teu pezinho:
Tira tira um bocadinho
Põe aqui no bolso meu
O dinheiro é do povo
Mas o povo me elegeu.
Estes são apenas alguns exemplos da minha atividade parodiante. Meu esforço criativo neste campo foi amplo, mas havia o risco de ser infrutífero. Eu não temia represália, pois os políticos não tinham motivo para se queixar da minha produção, muito fiel aos costumes deles. A dificuldade estava em conseguir espaço nas “paradas de sucesso”, que se orientam por “ordens superiores”; e assim se evaporariam royalties presumivelmente vultosos devidos ao meu laborioso repertório.
De lá para cá os costumes políticos censuráveis se tornaram muito, mas muito evidentes e ostensivos. Como ninguém é de ferro, e eu também preciso obter o sustento meu e dos meus dependentes, decidi mudar minha atuação. Como primeiro passo, vou comprar um machado a fim de esculpir uma “cara de pau” para mim mesmo. Só depois vou oferecer aos candidatos as minhas aptidões parodiantes.
Acho que mudarei o tom das minhas criações, embora o que compus até hoje tenha evidente utilidade numa campanha eleitoral bem dirigida. Imagine, por exemplo, que um alto-berrante saia pelas ruas gritando cai cai, bilhão… Qualquer doador de campanha bem intencionado verá nisso um convite para lucrativos empreendimentos.
Não se espante, prezado leitor, com a magnitude da minha reviravolta. Estamos tratando de assuntos políticos, e o que não falta nesse campo são reviravoltas. Trocar partido, amizades, programa, princípios, tudo isso é como trocar a maquiagem. Como não uso maquiagem, meu machado tem de trabalhar para esculpir minha cara de pau. Vou guardá-lo depois cuidadosamente, talvez ele me sirva em nova reviravolta futura. Por exemplo, para a execução da Justiça, como se fazia antes do Dr. Gillotin…
Já comecei a trabalhar na nova plataforma musical-eleitoral, mas não consigo progredir. Não se vai longe nesse meio sem “jogo de cintura”, cuja concubina é a falta de princípios. E a minha aptidão para isso é francamente insuficiente.
Estou agora ensaiando um projeto baseado em antiga marchinha de carnaval:
Mamãe eu quero, mamãe eu quero
Mamãe eu quero mamar
Dá chupeta, dá chupeta
Dá chupeta pro povão não chorar.
As repetições facilitam o trabalho. Só precisei trocar bebê por povão, o resto é igual. Acho que uma multidão de candidatos deve aplaudir-me e incorporar-se ao refrão. Não lhe parece promissor o meu futuro nesse campo?
(www.jacintoflecha.blog.br)
(*) Jacinto Flecha é médico e colaborador da Abim |