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Repórteres agora são como bombeiros: só aparecem quando toca a sirene

Por Ricardo Kotscho em 29/01/2019

Manhã de domingo, céu azul em São Paulo, silêncio nas ruas.

Em Brumadinho, as sirenes já tocaram novamente diante da ameaça de rompimento de outra barragem da Vale, áreas são evacuadas, bombeiros já não sabem para onde correr.

Assim acontece também com os repórteres que só aparecem quando a sirene toca.

O que fizemos da nossa profissão?, fico-me perguntando, ao ver e ler os mesmos dramas nas caudalosas coberturas, em todas as mídias, sobre o novo crime ambiental em Minas, chamado de desastre ou tragédia pela imprensa nativa.

Logo em seguida, como que programadas no computador, entram as matérias sobre os gabinetes de crise, comissões e comitês formados às pressas, sobrevoos de autoridades, mudança de regras para licenciamento de barragens, o de sempre.

E sempre me dá a sensação de notícia velha, que já vi antes em algum outro lugar. Confesso que já não consigo me interessar nem me emocionar pelas mesmas histórias de outros carnavais.

Repórteres não deveriam contar apenas o que está acontecendo, depois do fato consumado, mas alertar com antecedência a sociedade sobre os perigos que estamos correndo, como também deveriam fazer os bombeiros, que arriscam suas vidas para salvar outras vidas, em “tragédias” anunciadas, que poderiam ser evitadas.

Só agora ficamos sabendo que há centenas de outras barragens, não só em Minas mas pelo país afora, ameaçando a sobrevivência de populações inteiras e da natureza do entorno. Apenas 3% delas são seguras.

Tornam-se públicas de uma hora para outra a leniência e cumplicidade de autoridades de todos os calibres com as poderosas mineradoras que bancam campanhas de políticos e anúncios na mídia.

Jornalistas gostam de dizer que uma das suas missões é fiscalizar o poder público, e é mesmo, mas quem fiscaliza o poder privado num país que quer privatizar tudo?

É muito fácil denunciar maracutaias nos podres poderes públicos, mas essas só existem graças ao conluio, desde sempre, com os podres poderes privados, no troca-troca de interesses movido por propinas dos dois lados do balcão.

Assim se mudam leis, decretos, protocolos, regras de licenciamento, normas de transparência, ao gosto do freguês e do poder de plantão.

Crimes ambientais, sociais e econômicos, como os de Mariana e Brumadinho, acontecem porque reina a impunidade dos poderosos, públicos ou privados.

Nenhum responsável pelas 19 mortes e a destruição do Vale do Rio Doce, três anos atrás, em Mariana, foi até hoje julgado, condenado e preso.

Mas agora a procuradora-geral da República, a inefável Raquel Dodge, pegou um avião da FAB até Brumadinho para descobrir que “existe um culpado” pelo rompimento de mais uma barragem da Vale, que já deixou 40 mortos e mais de 200 desaparecidos.

Que maravilha! A procuradora disse que agora precisa procurar quem são esses culpados, não é genial? Tinha que ir lá para descobrir isso? Quanto nos custou essa viagem?

Manchetes se sucedem nos portais para atualizar o número de mortos, listas de vítimas são divulgadas, mas não vi até agora uma linha sequer sobre quem são os responsáveis pela segurança da barragem que rompeu e quem assinou a licença para o seu funcionamento.

Em outros tempos, havia repórteres viajando permanentemente pelo país para mostrar o que acontecia nas grandes obras da época do milagre brasileiro dos militares, e mostrar as possíveis consequências para o meio ambiente e as populações locais.

Sob a direção do jornalista Raul Martins Bastos, o Estadão da minha época tinha a maior rede de sucursais e correspondentes do país, presente em todas as regiões, antecipando e denunciando problemas que poderiam provocar tragédias. E, aonde não tinha, mandava repórteres da sede para lá, sem limites de gastos nem de tempo.

Isso acabou. Hoje, só a Rede Globo mantem repórteres baseados em todo o território nacional, mas eles também só chegam junto com os bombeiros quando a sirene toca.

Meio ambiente só vira notícia quando há muitos mortos e aí aparecem todos os especialistas do mundo para explicar o que aconteceu.

Aonde andavam todos eles antes da desgraça acontecer?

Eram muitos os repórteres farejadores que chegavam antes dos cães amestrados dos bombeiros, mas agora só vejo o André Trigueiro, da Globo, preocupado com o meio ambiente a denunciar o desmantelo da fiscalização de barragens e outras bombas-relógio que nos ameaçam permanentemente.

Quem também faz um belo trabalho investigativo e preventivo, é o repórter independente Marcelo Auler, um dos Jornalistas pela Democracia, que roda o país no seu carro velho para mostrar o que acontece no Brasil real esquecido pelo Brasil oficial para denunciar a iminência de novas tragédias.

Cavaleiro solitário, em seu blog Auler não deixa a chama do repórter apagar.

Antes que alguém me pergunte por que eu fico aqui escrevendo no computador, em vez de também ir lá onde as coisas acontecem, explico que já não tenho mais pernas para fazer isso.

Fazer reportagens exige longas, custosas e cansativas viagens, não dá para fazer por telefone ou por e-mail, como agora é rotina em muitas redações.

Tem que ir lá, andar bastante, conversar com muita gente, enfrentar estradas que são verdadeiras armadilhas, ficar sem comer e dormir, correr riscos, arrostar autoridades de todos os tamanhos, e já não tenho mais idade nem saúde para isso.

Mas nós precisamos ter mais Trigueiros, mais fiscais do Ibama, com mais recursos e não com menos poder, e mais bombeiros para fazer o trabalho de prevenção, em lugar do “liberou geral” da terra de ninguém, para aumentar os lucros das grandes companhias e dos latifundiários, como querem os manda-chuvas da nova ordem.

Nada acontece por acaso. Nós, jornalistas, também temos responsabilidade nisso. Não podemos esperar a sirene tocar.


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