Um dos rituais políticos mais antigos do Brasil republicano se repetirá nesta segunda-feira (4). O presidente Jair Bolsonaro enviará ao Congresso Nacional um documento longo e minucioso descrevendo o estado financeiro, econômico, político e social do país e apresentando as políticas públicas que o governo priorizará ao longo deste ano. O calhamaço se chama Mensagem Presidencial.
A tradição anual de remeter a Mensagem Presidencial ao Congresso foi iniciada em 1890, pelo marechal Deodoro da Fonseca, o primeiro presidente.
Capa da primeira Mensagem Presidencial, enviada por Deodoro ao Congresso em 1890
O Arquivo do Senado, em Brasília, guarda um exemplar de todas as Mensagens Presidenciais. Juntas, elas formam um compêndio de história que abarca os 130 anos da República — sendo cada capítulo narrado pelo presidente da época.
“Essa urgência se torna ainda mais premente à medida que venha a ser executado o programa de governo de ampliação da rede rodoviária nacional e melhorada sua pavimentação”, escreveu JK.
Ele argumentou: “O Brasil dos nossos dias não mais admite que se prolongue o doloroso processo de espoliação que, durante mais de quatro séculos, reduziu e condenou milhões de brasileiros a condições sub-humanas de existência”.
A reação veio a galope. Em 31 de março, duas semanas após a Mensagem Presidencial ser lida no Congresso, Jango foi derrubado por um golpe de Estado que deu início a 21 anos de ditadura militar.
“Envidamos sinceros esforços para o gradual, mas seguro, aperfeiçoamento democrático, ampliando o diálogo e estimulando maior participação das elites responsáveis e do povo em geral”, escreveu Geisel em 1975.
“O trabalho de elaboração constitucional há de resgatar para a sociedade brasileira os valores permanentes das modernas democracias: uma ordem política estável e participativa, uma ordem social calcada nos princípios da solidariedade e uma ordem econômica mais justa e sem discriminações”.
As Mensagens Presidenciais cresceram em extensão à medida que o governo federal adquiriu novas responsabilidades e a máquina estatal ficou mais complexa. O texto inaugural de Deodoro da Fonseca teve 17 páginas. O que Michel Temer redigiu no ano passado, 360 páginas.
O que se lê em público no Congresso não é o documento todo, mas apenas a introdução.
Em 1930, Washington Luís se vangloriou dos avanços da nação: “O Brasil progrediu enormemente. Desbastaram-se as suas matas, substituídas por habitadas e ricas culturas”.
Esse momento não foi escolhido ao acaso. A ideia é que os parlamentares se concentrem desde o início do ano nos projetos de lei ligados à agenda do governo.
“Multiplicam-se por toda parte os atentados contra as pessoas. O porte de armas já é proibido pela lei penal, mas nada lhes veda a importação, o fabrico e a venda. Peço-vos a votação de uma lei que seja a interdição pura e simples desses instrumentos de homicídio”.
“O cortejo da campanha presidencial começou em 1928 e se refletiu sobre a tranquilidade do país. Quase dois anos da minha administração ficaram virtualmente suprimidos. O período presidencial, por isso, não deveria ser menor do que seis anos”.
Washington Luís não podia imaginar que, poucos meses mais tarde, seria deposto por um golpe e que o seu sucessor, Getúlio Vargas, ocuparia o Palácio do Catete por nada menos do que 15 anos.
Neste momento, o Senado e a Câmara estudam algumas propostas que obrigariam o chefe de Estado a sempre comparecer ao Legislativo para ler as Mensagens Presidenciais. Nos Estados Unidos, esse é o costume. O presidente americano profere no Capitólio, no início do ano, o discurso conhecido como Estado da União.
Já foi assim no Brasil. As Mensagens Presidenciais são, na realidade, a adaptação republicana de um rito oriundo do Império, as Falas do Trono. Em cerimônias concorridas, Dom Pedro I e Dom Pedro II iam ao Parlamento e liam diante dos senadores e deputados o discurso sobre o estado e as prioridades do país.
“Como força impulsora de toda a máquina política do Brasil, havia a vontade irresponsável do ex-imperador, que, tendo diante de si anulados todos os órgãos de governo consagrados pela Constituição, devia sentir muitas vezes o tédio que a onipotência sem contrastes acarreta. A autoridade fazia rumo para o absolutismo e a tirania”.
“Fechado num círculo de interesses restritos que se confundiam com os da pequena minoria instalada nas posições governamentais, o poder público tornou-se aos poucos alheio e impermeável às exigências sociais e econômicas da nação”.
“Um dos primaciais objetivos da Revolução foi repor o país na sua normalidade constitucional e legal. Normalidade da qual o governo anterior, movido por ideias ou ambições subversivas, se afastara perigosamente, implantando no Brasil o ambiente da agitação e da desorganização administrativa e política que influiu decisivamente para o repúdio nacional que o cercou nos seus dias finais”.
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