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A pandemia e os milhões de especialistas

Temos que desejar toda a sorte e rezar para que este novo ministro e o presidente fiquem do mesmo lado. Na fotografia: O presidente Jair Bolsonaro e o novo ministro da Saúde Nelson Luiz Teich, durante pronunciamento no Palácio do Planalto (Marcello Casal Jr/ABr)

Artigo escrito por Lev Chaim* para o site Dom Total

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Bem cedinho, levei o meu cachorro para fazer os seus serviços necessários, já que isto é permitido na quarentena holandesa! Olhando para a paisagem, lembrei-me dos versos do grande poeta Carlos Drummond de Andrade, que nos ensina a construir um futuro melhor, ao viver o melhor possível o dia presente, o hoje. Ele escreveu: “Não serei o poeta de um mundo caduco. Também não cantarei o mundo futuro. Estou preso à vida e olho meus companheiros. Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças. O presente é tão grande, não nos afastemos. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas”.

Não sei se me lembrei do verso corretamente, mas a ideia é essa, conforme eu sempre imaginei: construir o futuro é também viver bem o dia de hoje, com todo o cuidado possível para que, mesmo se pensarmos no passado ou no futuro, nunca nos desliguemos do hoje. Por que estou dizendo isto? Este verso sempre esteve presente em minha vida, deste os tempos da faculdade em São Paulo. De vez em quando ele volta com tudo e fico feliz em relembrá-lo.

Estava um pouco pensativo nesse passeio com o meu cachorro. Não foi longo mas já deu para refletir muitas coisas. Pensava na situação da Holanda com as suas restrições durante esta pandemia do novo vírus corona. Aqui, o mais importante é que você fique em casa o máximo possível e só saia quando for necessário, como fazer compras, dar voltas com seus animais domésticos, trabalhar quando você não o pode fazer em casa, etc.. Na rua, não se necessita usar máscaras, mas o governo pede encarecidamente para que você mantenha a distância de um metro e meio um do outro. Neste meu passeio cedinho, encontrei apenas um senhor com o seu cão. Nós dois obedecemos as regras e passamos a mais de três metros um do outro, fazendo apenas uma saudação com a mão e dizendo, bom-dia.

Mas quando leio as coisas no Brasil, fico abismado com a situação toda. Na Holanda, apesar de críticas a uma o outra decisão, na maior parte das vezes todos se unem com o governo nessa luta. No Brasil, não. Uma grande maioria do povo está apoiando o governo federal, mas muitos políticos do PT e do centrão estão malhando de todas as formas o presidente. Eu me pergunto: como pode uma presidência funcionar dessa forma? Aqueles, que deveriam ajudar o governo a pensar, estão usando as suas divergências para derrubá-lo. E ao que tudo indica, ao ler a mídia social e falar com amigos, parece que a coisa é mesmo uma batalha política. Na Holanda, os partidos de oposição pararam de criticar o governo abertamente e estão ajudando no que podem nas comissões parlamentares. Mesmo porque, no início, suas críticas abertas pegaram muito mal, mesmo entre os seus próprios eleitores. E um governo, para funcionar bem, tem que ter uma linha fundamental de pensamento, sem grandes divergências entre os seus pares. Ou melhor, sem divulgá-las abertamente à imprensa, pois isto não ajuda em nada.

No Brasil, vendo esta troca de ministros da saúde, no início, fiquei um pouco apreensivo. Mais tarde, ao ler os currículos dos dois, sem sombra de dúvidas acabei por crer que o ministro Mandetta havia extrapolado as suas funções, ao fazer as suas divergências abertamente, junto à imprensa marrom, em vez de fazê-las nas salas do gabinete. Ele se enganou e o presidente arrumou um outro ministro tão ou mais capacitado que ele, que a maior parte do tempo trabalhou na área da saúde, o que não foi o caso do Mandetta, que tem ligações estreitas com adversários políticos do presidente. É o oncologista Nelson Luiz Teich, que tem vários cursos de especialização em gestão de saúde pública, inclusive um de pós-graduação na Grã-Bretanha.

Em um artigo de 24 de março, intitulado “Covid-19: Histeria ou Sabedoria?”, Teich destacou as dificuldades enfrentadas pelo gestor de saúde em meio à pandemia e citou pontos que devem ser considerados nas tomadas de decisão. Palavras do novo ministro da saúde: “Não me coloco aqui como alguém que defende um lado ou outro, na verdade é o oposto, não pode existir lados. O fundamental é analisar criticamente e de forma contínua a situação e as projeções, integrando continuadamente as novas informações na análise da situação geral. A informação que chega a cada dia precisa ser detalhada e em tempo real. É necessário rever diariamente a realidade, os cenários, as projeções e as ações. Como comentado, projeções e posições radicais e emocionais só levam a mais confusão e problemas”.

Em um outro artigo, publicado em 2 de abril, ele afirmou que a crise provocada pelo coronavírus demanda uma gestão centralizada e estruturada, que inclua o sistema público (nas esferas federal, estadual e municipal), a saúde suplementar e a iniciativa privada. Ele destacou também a importância do alinhamento entre os três Poderes, defendendo ainda a importância de medidas como o isolamento social, a testagem em massa e o uso de projeções matemáticas no enfrentamento da pandemia. Suas palavras: “Além do impacto no cuidado dos pacientes, o isolamento horizontal é uma estratégia que permite ganhar tempo para entender melhor a doença e para implantar medidas que permitam a retomada econômica do país“.

Com tudo isto, eu me pergunto caro leitor: qual a causa de toda essa pandemia política de bastidores? Temos que estar contentes que foi encontrado um especialista à altura do cargo que irá fazer de tudo para lutar contra essa pandemia, tal qual outros países o estão fazendo. Temos que desejar toda a sorte e rezar para que este novo ministro e o presidente fiquem do mesmo lado e que Bolsonaro se comporte conforme as regras de seu próprio Ministério da Saúde. E você, caro leitor, o que pensa de tudo isto?

*Lev Chaim é jornalista, colunista, publicista da FalaBrasil e trabalhou mais de 20 anos para a Radio Internacional da Holanda, país onde mora até hoje. Ele escreve todas as terças-feiras, para o Dom Total.