Temos que recriar o jeito de produzir, negociar, empregar e pôr as campanhas nas ruas
Georgia Guerra – Sócia e diretora de cena da produtora Café Royal
No início do ano, o pensamento do homem ganhava o mundo sem fronteiras. Agora, estamos ilhados em nossas casas e com nossos países fechados. O homem se perdeu em escolhas ligadas ao indivíduo e a conta chegou para todo o planeta.
O coronavírus chegou e fez com que o mundo parasse, entrasse em suas casas e lá ficasse. Estamos “de castigo”, revendo nossas escolhas e limitados a ver o mundo passar através da janela.
A janela da morada, que nos faz reconhecer os vizinhos. De onde aprendemos o caminho do sol e dos panelaços.
A janela da comunicação. O lugar onde matamos a saudade das pessoas amadas, fazemos negócios e nos divertimos. Essa também é a janela do choque da realidade, onde os fatos chegam e onde o fake se prolifera.
A janela da relação familiar, da ressignificação do amor, do colo, do abraço, do retorno à essência, do silêncio e do corpo.
Essa guerra não é minha nem sua, nem de um país ou uma classe social. Essa guerra é nossa, como seres humanos de uma mesma família. Temos que nos envolver com a verdade. Há uma linguagem capaz de falar com todos, a do amor. Temos que ver a realidade com amor.
Muitas pessoas não têm casa, e quando têm, não têm como ficar dentro dela, precisam trabalhar. Tem muitas que não têm água, como lavar as mãos. E outros milhares para os quais sabonete é item de luxo. Álcool? Luvas? Sem chance. Precisamos olhar pela janela e enxergar o outro que vive ao nosso lado e está passando por dificuldades. Solidariedade é a palavra de movimento social.
Mas como fica o mercado de trabalho?
A publicidade, que sofria com a desorganização do mundo, também fazia parte dela. Nosso mercado estava frágil e se redescobrindo quando entramos no isolamento. Nosso cenário era de racionamento de grana, prazos e clareza. O digital, com o vertical e horizontal, disputava espaço com os 30”. Os players seduziam com suas séries. O Instagram ganhava força e entrava na live. O Facebook ficava velho e perdia poder. E todos esperavam pela nova mídia digital do momento. Vivíamos o cenário do querer fazer algo diferente, mas o que? Não sabíamos. Não falo só das agências nem só dos clientes. Incluo produtoras de imagem, áudio, sindicatos, associações, profissionais etc.
Com a Covid-19, fica a pergunta: como mobilizar a máquina da publicidade? Precisamos anunciar, aprender que a quarentena é o nosso cenário. As pessoas nunca assistiram tanto a TV. Temos que recriar o jeito de produzir, negociar, empregar e pôr as campanhas nas ruas. Devemos ser profissionais, criativos, comunicativos e parceiros. Temos que acionar a nossa rede de relacionamento e fazer com que cada oportunidade se amplie para além da gente, pensar em todos os técnicos da nossa área.
Nunca foi tão importante dominar o processo de um filme tradicional para ressignificá-lo na filmagem remota. Sinto que é a chance de simplificar. A oportunidade de falar com emoção de dentro da casa do consumidor, para o consumidor. É o momento de escutar, de aprender humildemente e explicar sem medo. Compartilhar, nunca foi tão honesto.
Estou há mais de 30 dias em casa. Nesse período, fiz quatro filmes. E a cada novo orçamento um novo método de direção. O processo está caracterizado de forma diferente: as salas de reuniões são virtuais, elas mudam de pessoas e ambientes, mas eu não saio do lugar. Nos filmes não encontrei nenhum personagem fisicamente, em contrapartida, nunca fomos tão próximos. As discussões são criativas e técnicas ao mesmo tempo.
A publicidade nunca mais será a mesma, porque não seremos mais os mesmos.
O que vai acontecer quando tudo passar? Veremos juntos.
Mas fica uma pergunta que tenho pensado todos os dias: e os nossos queridos técnicos do cinema? Como vamos fazer para que eles estejam ao nosso lado nesse momento de reinvenção? Precisamos nos unir para que exista lugar para todos. Não paro de pensar nisso!
Quem sabe, daqui a alguns anos, vamos ver um filme com estética de videochamada e vamos falar: “Olha! Lembra a linguagem Corona.” Porque estamos criando algo novo e quem olhar com amor, verá que mesmo quando há tanta incerteza, é possível e se reinventar.
**Crédito da imagem no topo: Irina/Devaeva
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