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A pandemia, o pedestal e a ideia de perfeição absoluta

Por Thays Martinez

Fuja do pedestal como o diabo foge da cruz. Parece meramente uma frase de efeito, mas essa associação contém uma lógica profundamente impregnada de realidade. Se você já se deixou colocar em um pedestal, sentiu na pele que estar em um lugar elevado do chão – ou estar em uma cruz – é essencialmente a mesmíssima coisa. Tenho pensado muito nessa questão em tempos de distanciamento social, de medo do novo Covid-19 e da necessidade de lidar com a alteração de planos.

Thays Martinez é formada em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). A advogada, palestrante e empreendedora social possui especialização em Direito Penal e em Interesses Transindividuais; e MBA em Marketing de Serviços.
Thays Martinez é formada em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). A advogada, palestrante e empreendedora social possui especialização em Direito Penal e em Interesses Transindividuais; e MBA em Marketing de Serviços.

Aparentemente, estar em um pedestal pode parecer ocupar um lugar de destaque; um lugar em que o nosso “ser especial” é reconhecido. Sim, acredito que todos nós somos especiais e temos o direito de nos sentirmos assim. E essa é uma coisa curiosa. Se todos, ou quase a totalidade, somos especiais, ninguém é especial. Concorda? Aliás, é exatamente essa equação que tentamos resolver nas terapias. Essas afirmações são verdadeiras, no meu entender – e complicadas! Se tivermos um pensamento binário ou maniqueísta, no qual tudo tem de ser classificado como bom ou mau, certo ou errado não conseguiremos fechar essa conta. Mas, eu repito: fuja do pedestal, como o diabo foge da cruz, tenha você resolvido ou não essa equação. Em tempos de pandemia, estar longe do pedestal e da cruz pode ser um fator de força interior para passarmos por essa fase.

Defendo a fuga do pedestal, porque quando estamos nesse lugar – ou quando colocamos alguém nesse espaço hipotético –, não garantimos a ocupação de uma posição de destaque; na verdade, garantimos um isolamento e anulamos a oportunidade do pertencimento, do confortável lugar de humanidade, do lugar em que devemos estar para sermos nós mesmos – ou seja, aquele lugar em que podemos tentar, acertar, errar, corrigir, tentar novamente.

E o que é o pedestal? É a prisão em que colocamos pessoas, ou nos deixamos colocar; um espaço onde tudo o que conseguimos ver são as expectativas alheias e tudo o que sentimos é uma enorme solidão e o medo paralisante de dar um passo em falso. Então, esse é outro aspecto importante: além de não se deixar aprisionar em um pedestal, por favor, não condene ninguém a esse lugar cruel e irreal. Estamos em um contexto de distanciamento social; um momento em que podemos olhar para dentro e iniciar um processo de reconstrução; de alinhamento de expectativas; de aceitação de que os planos traçados para 2020 devem ser revistos e alterados.

Diante das mudanças trazidas por esse vírus, dedicamos os dias a buscar um herói. Entretanto, deveríamos buscar e reconhecer pessoas que, em razão da própria experiência, conhecimento e atitude são capazes de nos ajudar. A busca por nossa humanidade e a construção de uma nova sociedade mais igualitária requer darmos mais um passo na direção desse ser humano mais real e profundamente empático. Enquanto continuarmos na fantasiosa busca de fadas e heróis, duas tristes consequências advirão.

A primeira, acreditando que existem pessoas perfeitas, vamos nos deixar levar por discursos daqueles suficientemente malucos e/ou mentirosos que se apresentam como salvadores. Na segunda situação, não nos sentiremos capazes de colocar a nossa mão para girar a roda, porque – conscientes da nossa imperfeição – concluiremos que não estamos à altura dessa missão.

Com essa reflexão, chega de buscar a nota 10! Vamos compreender que um oito ou nove são notas mais do que suficientes para que possamos fazer essa roda da transformação social girar para o lado – e com a velocidade que achamos correta. Vamos parar de descartar pessoas por elas não terem acertado a questão final que lhes daria a nota 10. Lembra, combinamos que a nota oito ou nove está mais do que bom. Talvez até seis ou sete – que significam mais acertos do que erros. E, se afastamos a nota oito para abrir espaço para um eventual 10, também estamos abrindo o mesmo espaço para as notas quatro, três ou zero.

Então, gostaria de propor um trato: vamos passar a aplaudir as notas oito – nossas e dos demais – e, quando reconhecermos um erro, lembremos de que isso apenas significa que não será possível o 10, mas que estamos perfeitamente satisfeitos com o oito. Assim, teremos a paz de espírito e lucidez imprescindíveis para promovermos as transformações humanas necessárias. Que seja possível emergir do mundo pós-pandemia um novo pacto social.

| Thays Martinez

Nascida em São Paulo, em janeiro de 1974, Thays Martinez é formada em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). A advogada, palestrante e empreendedora social possui especialização em Direito Penal e em Interesses Transindividuais; e MBA em Marketing de Serviços. Deficiente visual desde os quatro anos, Thays foi conselheira do Conselho Nacional de Assistência Social e membro da comissão de Direitos das Pessoas com Deficiência da OAB. Voluntária de Relações Institucionais do Instituto Magnus, a advogada é consultora e ministra palestras em empresas (públicas e privadas) e em estabelecimentos de ensino, abordando temas como motivação, mudança, inovação e superação; Direito; acessibilidade; e inclusão social. É autora do livro “Minha vida com Boris – A comovente história do cão que mudou a vida de sua dona e do Brasil (Globo Livros)” e idealizadora do projeto “Heróis à Vista”.


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