Plínio Correa de Oliveira – Catolicismo Nº 16 – Abril de 1952
Por que foi o Senhor manietado por seus algozes? Por que impediram eles o movimento de Suas mãos, prendendo-as com duras cordas? Só o ódio ou o temor poderiam explicar que assim se reduza alguém à imobilidade e à impotência. Por que odiar assim estas mãos? Por que temê-las?
A mão é uma das partes mais expressivas e mais nobres do corpo humano. Quando os Pontífices e os Pais abençoam, fazem-no com um gesto de mãos.
Quando o homem inocente e perseguido se vê saturado de dores e apela para a justiça divina, seu último amparo contra a maldade humana, é ainda com as mãos que amaldiçoa. É com as mãos que pais e filhos, irmãos, esposos, se acariciam nos momentos de expansão. Para rezar, o homem junta as mãos ou as levanta para o céu. Quando ele quer simbolizar o poder, empunha o cetro. Quando quer exprimir força, empunha o gládio. Quando fala às multidões, o orador acentua com as mãos a força do raciocínio com que convence ou a expressão das palavras com que comove. É com as mãos que o medico ministra o remédio, e o homem caridoso socorre os pobres, os anciãos, as crianças.
E por isto os homens osculam as mãos que fazem o bem, e algemam as mãos que praticam o mal.
Vossas mãos, Senhor, o que fizeram? Por que foram atadas?
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“In principio erat Verbum, et Verbum erat apud Deum, et Deus erat Verbum” ( Jo. I, 1 ). Como descrever Vossa transcendente, eterna, e inefável majestade, quando antes de todas as coisas e de todos os séculos vivíeis da vida supremamente gloriosa e feliz da Santíssima Trindade. São Paulo contemplou esta vida, e a única coisa que sobre ela conseguiu dizer, é que não pode ser expressa em palavras humanas. Do alto deste trono, viestes com desígnios, de amor, para remir os homens. E por isto, com bondade inefável assumistes nossa natureza humana. Quisestes ter um corpo humano, por amor do homem. É para fazer o bem, que foram criadas Vossas divinas mãos.
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Quem pode dizer, Senhor, a glória que estas mãos agora sangrentas e desfiguradas, e entretanto tão belas e tão dignas desde os primeiros dias de Vossa infância, deram a Deus quando sobre elas pousaram os primeiros ósculos de Nossa Senhora e São José? Quem pode dizer com quanta meiguice fizeram a Maria Santíssima o primeiro carinho? Com quanta piedade se uniram pela primeira vez em atitude de prece? E com quanta força, quanta nobreza, quanta humildade trabalharam na oficina de São José?
Mãos do Filho perfeito, que outra coisa fizeram no lar, senão o bem?
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Quando começou Vossa vida pública, fostes principalmente o Mestre, que ensinava aos homens o caminho do Céu. E assim, quando no “pusillus grex” de Vossos preferidos, ensináveis a perfeição evangélica, quando Vossa voz se levantava e pairava sobre as multidões enlevadas e reverentes, Vossas mãos se moviam apontando a morada celeste ou exprobrando o crime e acrescentando à palavra todos os imponderáveis com que as enriquece o gesto. E os Apóstolos, e as multidões, criam em Vós, e Vos adoravam, Senhor.
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Mãos de Mestre, mas também mãos de Pastor. Não ensináveis, apenas, mas guiáveis. A função de guiar se exerce mais propriamente sobre a vontade, como a da ensinar mais exatamente sobre a inteligência. E como é sobretudo pelo amor que se guiam as vontades, Vossas divinas mãos tiveram virtudes misteriosas e sobrenaturais para afagar os pequeninos, acolher os penitentes, curar os enfermos. Amor tão ardente, tão abundante, tão comunicativo, que de lá até hoje, sempre que as mãos de um cristão – e mais especialmente de um Sacerdote – se movem para afagar os pequeninos, consolar os penitentes, ministrar remédio aos enfermos, o amor que as anima não é senão uma centelha deste infinito amor, meu Deus.
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Mas então mãos tão sobrenaturalmente fortes que ao seu Império vergavam todas as leis da natureza, e ao seu aceno a dor, a morte, a dúvida fugiam, estas mãos tinham ainda outra função a exercer. Não falastes do lobo voraz? Seríeis Pastor se o não repelísseis? E se tudo fazíeis com força irresistível, como poderia alguém não sentir o golpe do látego que empunhásseis?
O lobo, sim… e antes de tudo o demônio. Vossa vida tornou patente que o demônio não é uma entidade de ficção ou quase tanto, um ser a que é tão raras vezes dado a poder de agir, que praticamente a imensa maioria das coisas se passam como se ele não existisse. Os homens hipócritas ou de costumes dissolutos, ostentando vestes de justiça e até do sacerdócio, tudo isto aparece nos Evangelhos, não só como conseqüência da depravação humana em virtude do pecado original e da nossa maldade, mas também como obra do demônio, ativo, diligente, emboscado ali e acolá, e denunciando por vezes sua presença com espetaculares manifestações de obsessão e de possessão.
Vós expulsáveis o demônio, Senhor, com terrível império, e diante de Vossa palavra grave e dominadora como o trovão, mais nobre e mais solene que um cântico de Anjo, os espíritos impuros fugiam espavoridos e derrotados. Tão derrotados e tão espavoridos, que daí por diante tiveram que obedecer a Vossos apóstolos com docilidade. Por toda a parte onde Vossa palavra, pregada, foi aceita pelos homens, a impureza, a revolta, o demônio fugiram sempre. E só voltaram a estender sobre a humanidade suas asas de sombra e seu poder de perdição, quando o mundo começou a rejeitar Vossa Igreja, que é Vosso corpo místico. Tão derrotados e tão impotentes, que bastará que os homens correspondam novamente à graça de Deus para que o império das potências infernais mais uma vez decaia e as trevas, a lascívia, o espírito da revolução voltem para os antros secretos dos quais ha séculos saíram.
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Pastor, Vossas divinas mãos não se limitaram a brandir o cajado contra as potências espirituais e invisíveis que pairam nos ares, no dizer de S. Paulo, para perder os homens; mas atacaram o demônio e o mal em seus agentes tangíveis e visíveis.
O mal, antes de tudo considerado em abstrato. Não houve vício contra o qual não falásseis, mas também o mal em concreto, enquanto realizado nos homens, e não só nos homens em geral, mas em certas classes – os fariseus por exemplo – e não só em certas classes mas em certos homens concretissimamente considerados: os vendilhões do templo estão imortalizados nas paginas do Evangelho, pelo castigo exemplar que sofreram.
Vós, que recomendastes a mansidão até seus últimos extremos quando estivessem em jogo somente direitos pessoais, Vós que quereis que respondamos voltando a outra face quando recebermos uma bofetada, Vós empregastes uma ardente e santa difamação para desacreditar os fariseus, e empunhastes o látego para pôr em sangue os vendilhões. É que se tratava, não de direitos meramente humanos, mas da Causa de Deus. E no serviço de Deus há momentos em que não recriminar, não fustigar, equivale a trair.
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E estas mãos que foram tão suaves para os homens retos como João, o inocente, e Madalena, a penitente, estas mãos que foram tão terríveis para o mundo, o demônio, a carne, por que estão aí atadas e postas em carne viva? Porventura por obra dos inocentes, dos penitentes? Ou antes por obra dos que delas receberam merecido castigo e contra esse castigo diabolicamente se revoltaram?
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Sim, por que tanto ódio, por que tanto medo que pareceu necessário atar Vossas mãos, reduzir ao silencio Vossa voz, extinguir Vossa vida? É por que alguém receasse ser curado? Ou afagado? Quem porventura teme a saúde? Ou quem odeia o carinho?
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Senhor, para compreender esta monstruosidade, é preciso crer no mal. É preciso reconhecer que tais são os homens, que sua natureza facilmente se revolta contra o sacrifício, e que quando entra no caminho da revolta, não há infâmia nem desordem de que não seja capaz. É preciso reconhecer que Vossa lei impõe sacrifícios, que é duro ser casto, ser humilde, ser honesto, e em conseqüência é duro seguir Vossa Lei. Vosso jugo é suave, sim, e Vosso peso leve. Não porém porque não seja amargo renunciar ao que em nós há de animal e desordenado, mas porque Vós mesmo nos ajudais a fazê-lo.
E quando alguém Vos diz não, começa a Vos odiar, odiando todo o bem, toda a verdade, toda a perfeição de que sois a própria personificação. E, se não Vos tem à mão sob forma visível para descarregar seu ódio satânico, golpeia a Igreja, profana a Eucaristia, blasfema, propaga a imoralidade, prega a revolução.
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Estais manietado, meu Jesus, e onde estão os coxos e os paralíticos, os cegos, os mudos, que curastes, os mortos que ressuscitastes, os possessos que libertastes, os pecadores que reerguestes, os justos a quem revelastes a vida eterna? Por que não vêm eles romper os laços que prendem Vossas mãos?
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Curioso paradoxo. Vossos inimigos continuam a temer Vossas mãos embora atadas, e por isto Vos matarão. Vossos amigos parecem menos cônscios de Vosso poder. E porque não confiam em Vós, fogem espavoridos diante dos que Vos perseguem.
Por que? Ainda aí a forca do mal se patenteia. Vossos inimigos amam tanto o mal, que percebem ainda sob as humilhações das cordas que Vos prendem toda a força de Vosso poder… e tremem! Para estar seguros, querem transformar em chaga Vossa última fibra de carne ainda sã, querem derramar a ultima gota de Vosso sangue, querem ver-Vos exalar o ultimo alento. E ainda assim não estão tranqüilos. Morto, ainda incutis terror. É necessário lacrar Vosso sepulcro, e cercar de guardas armados o Vosso cadáver. Como o ódio ao bem os torna perspicazes a ponto de perceberem o que há de indestrutível em Vós.
E, pelo contrário, os bons não vêem isto com a mesma clareza. Reputam-Vos derrotado, perdido… fogem para salvar a própria pele. Só têm olhos, só têm ouvidos para pressentir o próprio risco. É que o homem é perspicaz só para aquilo que ama. E se vê melhor seu risco do que Vosso poder, é porque ama mais sua vida do que Vossa glória.
Oh, Senhor, quantas vezes Vossos adversários tremem diante da Igreja, enquanto eu, miserável, vendo-a manietada reputo tudo perdido.
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Mas quanta razão tinham Vossos inimigos! Ressuscitastes. Não só as cordas e os cravos de nada valeram, mas nem a laje do sepulcro, nem o cárcere da morte Vos puderam reter. Sim, ressuscitastes! Aleluia!
Senhor meu, que lição! Vendo a Igreja perseguida, humilhada, abandonada por Seus filhos, negada pelos costumes pagãos e pela ciência panteísta de hoje, ameaçada de fora pelas hordas do comunismo, e por dentro pelos desatinos dos que querem pactuar com o demônio, hesito, tremo, julgo tudo perdido.
Senhor, mil vezes não! Vós ressuscitastes por Vossa própria força, e reduzistes a nada os vínculos com que Vossos adversários pretendiam Vos reter nas sombras da morte.
Vossa Igreja participa dessa força interior e pode a qualquer momento destruir todos os obstáculos com que a cercam.
Nossa esperança não está nas concessões, nem na adaptação aos erros do século. Nossa esperança está em Vós, Senhor.
Atendei as suplicas dos justos, que Vos imploram por meio de Maria Santíssima. Enviai, ó Jesus, o Vosso Espírito, e renovareis a face da terra.
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