O apagão duplo da esquerda e dos institutos de pesquisa
A nova onda da ultradireita mostra que o bolsonarismo veio para ficar. E o clima de “já ganhou” cegou a esquerda, que precisa urgentemente se renovar.
Os golpes vieram de surpresa e acertaram a esquerda brasileira em cheio: notícias ruins após notícias ruins chegavam em intervalos curtos ao centro de São Paulo, onde a campanha do PT estava reunida. Rapidamente se desfez o clima de “já ganhou” nos arredores e dentro do Novotel Jaraguá.
Logo após o encerramento da votação, a perplexidade, ao invés da felicidade, tomou conta do lugar. Primeiro, chegaram os resultados do Senado, com Damares Alves e Tereza Cristina, duas ex-ministras de Bolsonaro, eleitas. E aí vieram notícias preocupantes de Minas Gerais, onde o presidente aparentemente estava indo bem.
Depois, as dores de cabeça do PT só aumentaram, com o ex-juiz Sérgio Moro sendo eleito para o Senado, um tapa na cara do PT, assim como o resultado do ex-lavajatista Deltan Dallagnol, deputado federal mais votado no Paraná. O que era para ser a noite carimbada pelo triunfo petista sobre a Lava Jato virou o contrário.
Aos poucos, ficou evidente o apagão das pesquisas eleitorais. A vitória de Claudio Castro, aliado de Bolsonaro reeleito governador no Rio de Janeiro com quase 60% dos votos, veio do nada. Castro conseguiu quase o dobro de Marcelo Freixo, a grande esperança da esquerda no Rio.
Tal estado ainda elegeu Romário, aliado de Bolsonaro, como senador, apresentando a conta pelos arranjos malfeitos no Rio, que deixaram Alexandro Molon, do PSB, de fora, para apostar no petista André Ceciliano. Mais um exemplo da tradicional pulverização da esquerda no Rio. Ainda por cima, Bolsonaro ganhou o estado com mais de dez pontos percentuais de diferença.
Ainda mais dolorido foi o fracasso petista em São Paulo, seu berço histórico. Contrariando as pesquisas, Fernando Haddad levou um baile de Tarcísio de Freitas, aliado de Bolsonaro. Enquanto isso, Bolsonaro abriu uma vantagem de sete pontos no estado.
Aparentemente, fracassou por completo a ideia de ganhar votos em São Paulo com a escolha de Geraldo Alckmin, ex-governador do estado, como vice de Lula. O PSDB, partido que governou o estado por décadas, afundou de forma dramática, passando seus votos não para o PT, mas diretamente para a ultradireita bolsonarista.
Ultradireita que, ainda por cima, elegeu o astronauta Marcos Pontes para o Senado e Ricardo Salles para deputado federal. O ex-ministro do Meio Ambiente, conhecido no mundo inteiro pela não proteção da Floresta Amazônica, obteve quase o triplo de votos de Marina Silva, ícone global do movimento ambientalista! Eis, ao meu ver, o resultado mais impressionante de toda a eleição, mostrando que o mundo está de cabeça para baixo.
Nesse tsunami da ultradireita, restaram poucos alicerces da esquerda: estados do Nordeste, como a Bahia, com um resultado esmagador a favor do PT. E o próprio Lula, que, no dia 30 de outubro, ainda terá grandes chances de ser eleito presidente pela terceira vez. Mas, como ele vai governar com um Congresso dominado pela ultradireita?
Uma ultradireita que veio para ficar. Acabou uma dúvida crucial: as vitórias da direita, em 2018, teriam sido um engano histórico, criado pelas circunstâncias peculiares daquele momento? Não! O Brasil de hoje é isso mesmo: passando de uma direita moderada para uma direita mais extrema.
E a esquerda? Se perdeu com os protestos de junho de 2013, que não soube entender. E até hoje não encontrou a chave para se renovar e se adaptar às novas realidades brasileiras. Precisa fazer isso urgentemente. Pois está chegando o momento de não poder mais contar com Lula, o salvador do Brasil e, principalmente, da esquerda brasileira.
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Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos.
O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.
Autor: Thomas Milz
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