Sendo assim, segundo a médica intervencionista em dor, dra. Amelie Falconi, é fundamental que o paciente com dor crônica também seja acompanhado por um profissional da saúde mental
O universo da dor ainda é um mistério para a maioria das pessoas. É comum que aqueles que sentem algum tipo de incômodo físico acreditem que ele esteja estritamente associado à lesão que o desencadeou. Por exemplo, quem sente dor na área lombar, irá relacionar esse desconforto somente a uma hérnia nessa região, se assim o exame demonstrar. No entanto, pondera a médica intervencionista em dor e autora do livro “Existe vida além da dor”, dra. Amelie Falconi, a experiência da dor não é tão simples assim e, para compreendê-la melhor, o paciente precisa estar ciente do seu caráter multidimensional.
“A percepção da dor é profundamente influenciada por aspectos emocionais, espirituais e sociais, além dos aspectos físicos. Chamamos isso de dor total, um conceito desenvolvido por Cicely Saunders, médica e escritora inglesa, referência em cuidados paliativos” afirma dra. Amelie. Assim, explica a médica, situações como a perda de um emprego, término de um relacionamento, endividamento, morte de um ente querido, irão interferir na intensidade das dores. Conforme a autora do livro “Existe vida além da dor”, isso pode ser explicado pelo fato de que as mesmas áreas do cérebro são ativadas quando se sente dor física e/ou emocional.
Tendo em vista esta característica da dor, é importante, de acordo com dra. Amelie, que um paciente com dor crônica seja acompanhado também por um profissional da saúde mental. A médica intervencionista em dor relata ser comum que muitos pacientes se sintam incomodados quando são encaminhados para um psicólogo, afinal, estão acostumados em terem suas dores desacreditadas e um movimento como este pode denotar descrença. “Contudo, as pessoas que sofrem com dor crônica precisam estar cientes que o médico que faz este encaminhamento é, sobretudo, cuidadoso. A dor pode aumentar devido a pontos mal resolvidos do passado, como traumas e medos, que somente um profissional de saúde mental pode ajudar a resolver”, diz.
O auxílio de um profissional de saúde mental também é de suma importância no sentido de fazer com que o paciente se livre de distorções de pensamentos sobre a dor crônica. Segundo dra. Amelie, é muito comum que aquele que convive com a dor diariamente comece a enxergar todos os acontecimentos de sua existência através do prisma da dor. “Isto o leva a crer que tudo dará errado, inclusive os tratamentos, medicamentos e procedimentos para tratamento da dor e da lesão subjacente”, diz.
A médica afirma que tal visão catastrófica gerada pela dor pode ser extremamente prejudicial ao gerenciamento e mitigação dela. De acordo com ela, as distorções de pensamentos geram ansiedade e medo com relação ao tratamento, que, por sua vez, aumentam a dor e consequentemente dificultam ainda mais a adesão ao tratamento proposto. “Forma-se aí um ciclo vicioso de desconforto e negativismo sobre o tratamento da dor crônica”, conclui.
Levando-se em consideração que o sofrimento gerado pela dor é um dos responsáveis pela sua manutenção, já que sabota os tratamentos possíveis, fica evidente a importância da atuação de um profissional de saúde mental em conjunto com um médico especializado no tratamento da dor física. Isto porque, destaca dra. Amellie, ele ajudará o paciente a modificar sua mentalidade, para que o pensamento distorcido sobre a dor mude frente à realidade, promovendo, assim, maior adesão ao tratamento e a melhoria de sua qualidade de vida.
Conforme a médica, para a maior adesão ao tratamento, é importante também que o paciente saiba que algumas condições que costumam o afetar estão diretamente relacionadas à dor que sentem. A capacidade cognitiva, por exemplo, costuma ser bastante impactada em pacientes que sofrem de dor crônica, prejudicando, sobretudo, a memória e atenção. “Tendo em vista que a memória tem impacto em coisas simples da vida, fica fácil perceber como, ao ser afetada negativamente, ela pode atrapalhar o paciente a seguir o tratamento da dor”, afirma.
Ciente da relação entre prejuízos na capacidade cognitiva pela dor, o paciente deve focar no tratamento da segunda, a fim de diminuir os efeitos da primeira condição. Nesse sentido, é de grande valia o uso de medicamentos para alívio da dor, que, ao invés de prejudicarem a memória, são formas de melhorá-la, segundo dra. Amelie. “Os poucos estudos que mediram a relação entre medicação e déficits de memória não encontraram efeitos significativos. Pelo contrário, algumas pesquisas revelaram melhora da função cognitiva após o tratamento analgésico em pacientes com dores crônicas, sugerindo que o alívio eficaz da dor pode reverter o comprometimento cognitivo induzido pela dor”, diz.
A médica intervencionista em dor declara que, além de medicamentos analgésicos, outras práticas costumam ser bastante positivas para tratar dor crônica e concomitantemente a memória, tais como higiene do sono, prática de atividade física, alimentação nutritiva, meditação e mindfulness, redução da ingestão de bebidas alcoólicas, entre outros hábitos.
Dado que a dor crônica está intrinsecamente associada a aspectos emocionais, um outro hábito que precisa ser modificado por quem sofre com a condição, a fim de mitigar o sofrimento, é o uso indiscriminado de redes sociais. De fato, segundo dr. Amelie, o paciente acaba se “viciando” em redes sociais como forma de se anestesiar das dores que sente. Contudo, esse uso massivo acaba tendo o efeito contrário. “Isto porque, diariamente, nestas redes, a pessoa é bombardeada com diversas informações e notícias sobre tragédias, que, somadas à dor crônica e às suas preocupações rotineiras, geram um estresse basal que piora a sua dor”, afirma.
A médica intervencionista em dor recomenda então que o paciente com dor crônica reflita sobre como vem usando as redes sociais. Conforme ela, não é caso de deletar as redes, mas usá-las de modo racional. “Avalie seu o seu tempo à frente do celular e do computador e as sensações que o uso das redes sociais provoca em você. Seja seletivo no conteúdo que consome e, o principal: tenha um horário certo para utilizar as redes”, finaliza.
Sobre a Dra. Amelie Falconi
- Especialização em Medicina da Dor pela Santa Casa da Misericórdia de São Paulo
- Título de Especialista em Dor pela AMB (Associação Médico Brasileira)
- Fellow Of International Pain Practice (FIPP) pelo World Institute of Pain (WIP)
- Fellowship de Intervenção em Dor – Clínica Aliviar / sinpain Rio de Janeiro.
- Pós-graduação em Medicina Intervencionista da Dor Guiada Por Ultrassonografia – sinpain
- Pós-graduação em Anestesia Regional – Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Sírio Libanês
- Especialização em Anestesiologia MEC / SBA
- Medicina pela Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF
- Ministra aulas na pós-graduação de medicina intervencionista da dor do Hospital Albert Einstein
- Coordenadora da pós graduação de medicina da dor na SANAR
Patrícia Jimenes
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