Fragmentação do território catarinense gera custo de R$ 1,117 bilhão aos cofres públicos
Desde 1988, ano da Constituição atual, foram criados 96 municípios em Santa Catarina. A maioria deles tem menos de cinco mil habitantes
Segundo o Tribunal de Contas do Estado (TCE), Santa Catarina gasta por ano R$ 1,117 bilhão com a fragmentação do seu território em número elevado de municípios. O valor corresponde ao custo extra gerado aos cofres públicos pelas administrações municipais de pequenas cidades emancipadas nos últimos 30 anos. Para contornar o problema, o TCE recomenda que o poder público incentive a fusão de municípios.
O valor foi mensurado pelo TCE após análise das contas de todos os municípios com menos de cinco mil habitantes criados a partir de 1988, ano da Constituição atual. Das 94 cidades que se encaixam nesse perfil, apenas 87 apresentam dados para análise. O estudo simulou de quanto seria a economia aos cofres públicos caso essas emancipações não tivessem ocorrido, levando em consideração que a administração local seria mais econômica com menos prefeituras.
O recorte a partir de 1988 não é por acaso. Durante a ditadura militar vigorava uma legislação rígida para a emancipação de novas cidades, mas a Constituição de 88 retirou algumas dessas barreiras. Além disso, o novo texto constitucional criou diversos repasses federais e estaduais aos municípios, numa tentativa de otimizar o pacto federativo. Somados, esses fatores geraram um boom de criação de municípios nos anos 90.
No Brasil, o crescimento foi de 40%. O país passou de 3.991 municípios, em 1988, para os atuais 5.570 — 1.579 novas cidades. Santa Catarina ficou acima da média nacional, com aumento de 48,2%. O Estado passou de 199 municípios, em 1988, para 295, em 2019. Dos 96 novos municípios catarinenses, 94 foram fundados na década de 90.
O TCE alerta para a inviabilidade financeira dos novos municípios. A maioria deles, devido à baixa população, tem pouca receita própria e depende de repasses do governo do Estado e da União. Segundo o relatório, o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), repasse federal, representa, em média, 48,8% da receita de municípios com até três mil habitantes.
“A situação dos pequenos municípios, na maioria dos casos, é bastante delicada, devido à dependência das transferências federais e estaduais. Além disso, a capacidade de arrecadação de impostos, como por exemplo IPTU e ISS, é ínfima, ainda mais quando comparada com os repasses governamentais”, diz o documento.
A dependência do FPM é um dos principais problemas. Todo município tem direito a receber o repasse federal e o valor varia de acordo com a população. A menor faixa contempla cidades até 10.188 habitantes, ou seja, municípios de 1,5 mil habitantes e municípios de 10 mil habitantes ganham o mesmo valor, o que, na prática, representa uma grande diferença no repasse por habitante.
Porém, a fragmentação tende a penalizar os municípios. Toda vez que uma cidade se desmembra em duas ou três, o repasse federal se dilui e as outras cidades do Estado passam a receber menos. O fenômeno causa uma redistribuição de tributos, mas não um ganho real: independente do número de municípios, Santa Catarina recebe o repasse de acordo com a população. Hoje, a cota catarinense recebida da União é de 1,23%.
Lages é um exemplo. Da cidade serrana, originou-se Bocaina do Sul, Painel e Capão Alto. Quando houve as emancipações, Lages perdeu população e caiu de faixa. Passou de 4% para 3,8% de participação. As três novas cidades, com população abaixo de cinco mil habitantes, recebem 0,6% cada uma, de acordo com a norma. Na prática, a mesma população dividida em quatro cidades passou dos 4% iniciais para 5,6%, soma de 3,8 mais três unidades de 0,6%.
“Os municípios menos populosos são favorecidos em termos de recebimento do FPM per capita, o que incentivou intensamente a propositura de novos pequenos municípios”, explica o relatório do TCE. Apesar do aumento, isso não significa uma melhora substancial em serviços públicos.
Panorama catarinense
Em Santa Catarina, 105 municípios estão abaixo da linha dos cinco mil habitantes. Desses, 55 estão na faixa até três mil habitantes. Os outros 50 se enquadram na faixa entre três mil e cinco mil habitantes. Essas cidades representam mais de um terço do total de municípios do Estado.
A região Oeste é a campeã em fragmentação territorial. São 118 municípios, sendo que 66 não ultrapassam a linha dos cinco mil habitantes. A diferença é grande quando comparada com o Vale do Itajaí, segunda região mais fragmentada, que tem apenas 55 cidades. Na sequência, estão o Sul (46 cidades), a Serra (30), o Norte (25), e a Grande Florianópolis (21).
Não faltam números para comprovar o fenômeno de segregação. Santa Catarina é o 11º estado em população e o 6º em número de municípios. Outro dado que comprova o excesso de emancipações é a comparação com estados similares. O Maranhão, por exemplo, é a unidade da federação com população mais próxima da catarinense e tem 217 cidades. Pernambuco tem área muito parecida e soma apenas 185 municípios.
Além disso, Santa Catarina tem mais cidades que estados bem mais populosos. O Rio de Janeiro tem 16,6 milhões de habitantes — mais do que o dobro dos 6,9 milhões de SC — e apenas 92 cidades. O Pará tem 8,2 milhões de habitantes em 144 cidades. O mesmo acontece com Ceará, com 8,9 milhões em 184 municípios, e Pernambuco, com 9,4 milhões em 185 cidades.
TCE sugere fusões
Como solução para o problema, o TCE sugere que o poder público incentive fusões entre os municípios. A notícia, em primeira análise, causou preocupação em lideranças estaduais, mas o próprio Tribunal assinalou que o assunto precisa ser discutido a fundo com toda a sociedade catarinense.
Apesar do diálogo, a recomendação do TCE é clara. “Em momentos de crise fiscal brasileira e catarinense, uma possível solução para atenuar os altos gastos per capita seria incentivar a fusão de municípios com menos de cinco mil habitantes”, diz o documento.
A Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina (Alesc) já iniciou o debate. Em 2019, foi criada a até então inédita Comissão de Assuntos Municipais, que vai organizar os trabalhos sobre esse tema. O deputado Jerry Comper (MDB), presidente da Comissão, anunciou que vai convocar prefeitos de todas as regiões do Estado para conversar sobre o problema.
“Não é para criar preocupação para os pequenos municípios porque é um estudo voltado para orientar. É mais uma questão de alerta”, disse Comper. Segundo ele, a Assembleia ficará atenta a este assunto e as fusões, se acontecerem, serão tratadas “caso a caso”.
“Este estudo conclui que uma lei relativa especificamente ao incentivo e à fusão de municípios seja criada, uma vez que foi comprovado o elevado custo de manter municípios com baixa população”, continua. A base de referência da recomendação é europeia. Houve movimento de fusão de municípios nos últimos tempos na Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Finlândia, Grã-Bretanha, Holanda e Suécia.
Pontos positivos e negativos
O próprio TCE elencou pontos positivos e negativos para as fusões. Segundo o Tribunal, a aglutinação de municípios pode trazer ganhos de escala em serviços públicos, como otimização da coleta do lixo, por exemplo. Com mais habitantes, a tendência é de que o custo de serviços como este fiquem mais baratos.
Outro ponto positivo é a capacidade de investimento da cidade. Se ela for financeiramente mais sustentável, poderá dar uma resposta melhor em obras, escolas, estradas, postos de saúde etc. A aglutinação também gera melhoria técnica dos serviços e redução de cargos políticos.
Por outro lado, o Tribunal entende que também há perdas. A principal delas é a distância entre o indivíduo e o poder público. Com maior população, a tendência é de que os cidadãos tenham menor acesso à administração. Outro ponto citado é a redução da identidade cultural, uma vez que o morador identifica-se com sua localidade e sua realidade.
Desempenho municipal
Além do foco financeiro, o TCE analisou a qualidade de vida nos municípios. No estudo, o Tribunal elencou as 30 cidades mais e menos populosas do Estado e comparou o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) das duas listas.
Apesar de alguns número fugirem à regra, o padrão é de que municípios maiores apresentam índices melhores. Isto porque eles conseguem aglutinar serviços de excelência em áreas sociais, como saúde, habitação, saneamento básico, e atingir números maiores de desenvolvimento econômico.
Apesar disso, segundo o TCE, o município ideal em gasto público não é nem grande, nem pequeno. A faixa de população mais econômica para os cofres públicos se situa entre 20 mil e 100 mil habitantes.
O Tribunal registrou um aumento do gasto público per capita em municípios a partir de 100 mil habitantes. Isto acontece porque em cidades maiores, a resolução de problemas como mobilidade, saúde e educação tende a ser mais cara.
O primeiro lugar em economia é de São Joaquim, na Serra, com 26.447 habitantes. Lá, o gasto per capita é de R$ 1.729, com um IDH de 0,687. O valor mais alto foi registrado em Santiago do Sul, no Oeste, com R$ 7.965 e IDH de 0,728. O município tem 1.341 habitantes. Florianópolis, no meio do caminho, gasta R$ 3.136 e tem IDH de 0,847.
Por; Murici Balbinot
*Informações: Rede Catarinense de Notícias
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