Por GASTÃO REIS no site: Diário de Petrópolis
É sintomático o ambiente de brancas nuvens em que se passa o 15 de novembro. Parece mesmo, ao revés, uma descomemoração. É um dia em que se pensa em tudo para fazer no feriado, menos na suposta proclamação da república. Mas neste ano de 2019 se completou o que se chama uma data redonda – 130 anos. Merecem registro duas inciativas, digamos, institucionais, sobre a república, mas que não partiram do povo: a do jornal O Estado de São Paulo e o lançamento de um livro.
O que salta aos olhos em ambos os casos é o tom de pedido de desculpas pelo que a república não foi capaz de realizar. O parágrafo de abertura do editorial do Estadão, de 20 de outubro passado, diz tudo: “Ainda há muito que fazer, a exigir, a retificar, a aperfeiçoar para que se possa aplicar ao Brasil, com inteireza, o qualificativo de republicano.”. O livro, organizado por intelectuais de peso, Edmar Bacha, José Murilo de Carvalho, Joaquim Falcão, Marcelo Trindade, Pedro Malan e Simon Schwartzman, acaba se traindo no próprio título – 130 anos: Em busca da República.
O Estadão, lançando mão de ferramentas de última geração em matéria de comunicação, tuítes e hashtags, resolveu fazer uma ampla pesquisa na Biblioteca Nacional e nos seus próprios arquivos, que datam de 1875, quando foi fundado o jornal, o então A Província de São Paulo. A proposta é reproduzir os comentários de personagens históricos sobre o nascimento e a dita evolução da república brasileira. Para o Estadão, a república (merece o “r” minúsculo…) se caracteriza por dois pilares: a igualdade de todos perante a lei e o fato de ser o regime da lei, que garantiria o primeiro.
Entretanto, rigorosamente falando, república vem do latim, res publica, e significa coisa pública, interesse público, ou ainda, bem comum. Exatamente, o que a nossa desastrada experiência republicana não levou a sério até hoje. A prova contundente é o fato de o Brasil ocupar um desonroso primeiro lugar internacional em matéria de desigualdade social. Nada surpreendente face à declaração na época de Francisco Glicério, fundador, em 1872, e presidente do Partido Republicano Paulista: “Nosso objetivo é fundar a república, não libertar os escravos.” Ou seja, a luta contra a desigualdade não era prioridade. Compare-se a isto, a luta de Dom Pedro II e da Princesa Isabel, pela igualdade civil ao longo do século XIX a ponto de 95% da população de origem africana já não ser mais escrava quando Lei Áurea foi assinada em 13 de maio de 1888.
Pior: a proposta do último gabinete do Império de assentar os libertos ao longo da malha ferroviária, uma das maiores do mundo na época, para disporem de um pedaço de terra e renda para se sustentarem foi arquivada, de saída, pela república. Não satisfeita, boa parte de intelectualidade civil e militares se encantou com o positivismo e a doutrina do embranquecimento (!) do Brasil para que se tornasse uma nação próspera e civilizada. Preconceito!
Quanto ao livro, na Introdução: Uma perspectiva geral, feita por Pedro Malan, ele reproduz uma definição do que seria um regime democrático, ressaltando a diversidade; a legitimidade dos conflitos de razão e de interesse; a absoluta liberdade de opinião; o ideal da tolerância e da não violência, onde seria possível nos livrar de um mau governo sem derramamento de sangue; e resolução dos conflitos pelo livre debate das ideias e pela mudança de mentalidades. Cá para nós, caro leitor, isso tem a cara explícita do que ocorreu sob o Segundo Reinado com Dom Pedro II?
Para o regime ser também republicano, Malan acrescenta a necessidade do monitoramento dos poderes da república, apelando para o dever cívico de cada um. Ele só se esqueceu de mencionar que é difícil pregar um prego sem martelo: o voto distrital puro, que nos foi negado pela república até hoje. Há, de fato, sólidas razões para o 15 de novembro passar em brancas nuvens.
Autor: Gastão Reis Rodrigues Pereira
Empresário e economista .
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