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Principal obstáculo do jornalismo hoje: a indiferença do público

O principal problema dos veículos jornalísticos em tempos de redes sociais e ataques contra a imprensa não é a hostilidade contra eles, mas a indiferença do público. É o que revela o estudo “Superando a indiferença: o que as atitudes em relação às notícias nos dizem sobre a construção da confiança” do Reuters Institute.

A pesquisa, que analisou em quatro países (Brasil, Estados Unidos, Reino Unido e Índia) o grau de confiança nas notícias, descobriu que aqueles que geralmente não confiam nelas não são necessariamente indivíduos mais hostis com a cobertura midiática. Na realidade, são os que tendem à indiferença, sendo menos conhecedores sobre como o jornalismo é produzido e praticado e menos interessados nas decisões editoriais feitas diariamente pelas mídias ao produzirem notícias.

Para Ricardo Gandour, jornalista e consultor em estratégia de comunicação que dirigiu as redações da CBN e Estadão, os “publishers” dos veículos cometeram uma falha histórica ao não explicarem como funciona o trabalho jornalístico para o público. “Por muitos anos falamos apenas com a nossa ‘bolha’ de leitores intelectualizados quando deveríamos ter educado e atraído mais leitores”.

Fatores externos ao jornalismo, criados pela revolução digital que aproximou as pessoas dos fatos sem a necessidade dos jornalistas como intermediários, também contribuíram para a desconfiança dos indivíduos. É o que considera Conrado Corsalette, cofundador e editor-chefe do Nexo. Soma-se a isso o papel de líderes populistas que divulgam informações sem compromisso com a realidade.

Hoje o ambiente informativo está pior do que antes. Um dos efeitos colaterais da universalização do acesso à informação é a produção organizada de fake news. Existem sites que se dedicam à elaboração deliberada de desinformação como negócio“, analisa Gandour.

Perfil dos que não confiam

De acordo com o estudo, os que geralmente não confiam nas notícias tendem a ser mais velhos, menos educados, menos interessados em política e menos ligados aos centros urbanos. No Brasil, o perfil é de homens brancos mais velhos e mais propensos a avaliar favoravelmente o presidente Jair Bolsonaro.

Além disso, os brasileiros são o povo que mais desconfia da capacidade da mídia de assumir os próprios erros. 78% acreditam que a imprensa tenta esconder suas falhas, índice maior do que as taxas de Reino Unido (64%), Estados Unidos (59%) e Índia (55%). De maneira geral e especialmente nesse público, a experiência de interagir com jornalistas é rara e a familiaridade com conceitos básicos jornalísticos é muitas vezes baixa, como saber a diferença entre um editorial e uma notícia ou entre uma notícia e um comunicado à imprensa.

Caminhos para reconexão com o público

Há um consenso de que a educação midiática é necessária no processo de conquista do público. “Ela é um trabalho de base de longo prazo e um serviço de utilidade pública que deveria fazer parte do dia a dia das escolas. Há diversas iniciativas sobre o tema em andamento no Brasil, mas na minha avaliação deveria ser algo massivo, inclusive com atenção maior do poder público”, pontua Corsalette.  

Sérgio Lüdtke, editor-chefe do Projeto Comprova, iniciativa de fact-checking que reúne 24 redações, acredita que é preciso mais transparência. “No Comprova temos uma seção fixa em cada texto com o passo a passo de toda investigação feita e links para que os leitores possam checar se as informações são verdadeiras”, explica Lüdtke. “Ter objetivo definido, justificar suas escolhas editoriais e mostrar como seus jornalistas trabalham ajudam bastante um veículo a se aproximar dos seus leitores“.

Para Corsalette, além da transparência nos procedimentos, a busca por mais clareza ao reportar os fatos com uma utilização mais competente dos recursos digitais ao contar histórias é urgente. “Isso é central para a reconexão com o público. Uma história será mais bem contada a partir da maneira que você escolhe contá-la. Muitos relatos podem ser feitos por infográficos, vídeos, materiais interativos, sem que seja necessário escrever longos textos”.

Outra questão importante levantada é o aumento da diversidade nas redações para que a produção da notícia abarque uma realidade mais ampla e vá além da visão de classe média branca que costuma ocupar esses espaços.

Para fazer frente aos impulsos autoritários de líderes populistas, Gandour defende um “pacto civilizatório” por parte dos candidatos nas eleições deste ano. “Assim como eles se comprometem com o combate à fome e à desigualdade, é necessário atuar para garantir o livre fluxo de informações profissionalmente apuradas pela imprensa”.

Papel das redes sociais

A importância adquirida pelas grandes plataformas de tecnologia como divulgadores de conteúdo é outro fator que deve ser levado em conta ao se discutir confiança nas notícias. “Há uma pressão muito grande sobre essas empresas para que elas também prestem contas a respeito de seus processos internos. Elas têm uma grande responsabilidade e não é mais aceitável que se digam neutras em relação a conteúdos que incentivam a desinformação, o ódio e a intolerância”, enfatiza Corsalette. “Elas poderiam ter uma governança editorial transparente; montar conselhos como os existentes em vários veículos; e assumir-se como veículos jornalísticos e não como empresas de tecnologia. É papel delas dar a origem da informação e separar o que é informação de opinião”, conclui Gandour.

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