Empresas precisam começar a olhar para o S da sigla ESG e buscar o bem-estar e segurança das pessoas dentro da empresa
A pandemia provocada pelo coronavírus trouxe o aumento dos casos de violência doméstica contra as mulheres, e na mesma proporção, a divulgação pela mídia destes casos. Ainda que as atividades presenciais tenham retornado, não há expectativa de que os números sofram diminuição significativa, visto que o Brasil está entre os países com os maiores índices de feminicídios – atualmente é a quinta maior taxa, segundo relatório produzido pela ONU, sendo as mulheres negras maioria das vítimas.Para a advogada Marilia Golfieri Angella, fundadora do Marilia Golfieri Angella Advocacia Familiar e Social e especialista em Direito da Mulher, Criança e Adolescente, não dá mais para contar apenas com políticas públicas para melhorar esses números.
“A crescente busca e implementação de práticas ESG por empresas brasileiras, deixa claro que há um espaço importante a ser preenchido dentro destes novos padrões de responsabilidade social institucional. É preciso que estes padrões alcancem a comunidade na qual uma empresa está inserida, mas ir além. Trabalhadores e colaboradores diretos e/ou terceirizados, quando alargamos ainda mais as possibilidades de se olhar para toda a cadeia de serviços ou de produção, é um recorte que propomos para esta discussão“, comenta a advogada. “Aqui me refiro a empresas privadas com fins lucrativos e práticas de ESG vinculadas à pauta social e destinadas aos trabalhadores e colaboradores destas instituições“, completa.
Ainda que a iniciativa privada tenha alguns projetos efetivamente voltados aos trabalhadores e suas famílias, como o fornecimento de cesta básica pelo empregador para garantia do direito à alimentação e assistência à população mais vulnerabilizada; a criação de cursos profissionalizantes, creches e escolas para contraturno infanto-juvenil e reforço escolar para fomento do direito à educação; licença maternidade estendida para proteção de mães e crianças; mutirão para prestação de serviços médicos e odontológicos como direito à saúde; auxílio moradia para trabalhadores que moram em áreas mais afastadas; contratação de transporte particular quando as empresas possuem sedes mais afastadas, os famosos fretados, festas temáticas e brindes para momentos de diversão; entre outras práticas, tudo isso colocado como benefícios atrativos para os trabalhadores a fim de ter uma diferenciação no mercado de trabalho, são na verdade obrigações das empresas.
Todos estes direitos já estão apontados no Artigo 6º da Constituição, os chamados direitos sociais. Mas há um direito social pouco discutido na pauta de benefícios, que é a segurança para além da segurança no trabalho, como fornecimento de EPI, por exemplo. Trata-se da segurança ao trabalhador de forma geral, inclusive em sua residência.
Qual é o limite, então, para a empresa atuar e interferir na vida privada do seu colaborador?
A violência doméstica é um problema estrutural e histórico não só em nosso país como no mundo e sua erradicação e mitigação são verdadeiros desafios. Dados mostram que não bastam leis protetivas a meninas e mulheres – como a Lei Maria da Penha aqui no Brasil desde 2006, por exemplo, entre outros diplomas legais. “Não bastam penas mais severas para punir crimes de gênero no Código Penal ou mesmo políticas públicas voltadas para mulheres vítimas de violência doméstica. É preciso efetividade, fiscalização e união do Estado e da sociedade para seu enfrentamento“, pondera Angella.
A Lei Maria da Penha, em seu Artigo 3º, diz que serão “asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária” e que caberia à família, ao Estado e à sociedade criar as condições necessárias para o efetivo exercício destes direito
As empresas inseridas no âmbito da sociedade colocada na lei de forma solidária e não subsidiária junto à família e ao Estado, não pode considerar mera liberalidade ou benefício a oferta de meios de proteção da mulher. Esse deve ser o mero exercício de um dever legal imposto a ela, talvez não de forma direta, mas sim indiretamente com a compreensão articulada entre a Lei vigente e as políticas de ESG voltadas à pauta social.
Se a família se perfaz com a presença do agressor e se o Estado se mostra inefetivo na proteção e segurança da mulher, ou mesmo distante pela realidade na qual esta mulher está inserida – quiçá por falta de informação muitas vezes de como agir, quem procurar etc. –, a empresa, junto à sociedade, precisa agir. Assim como as escolas atuam na rede de proteção infanto-juvenil, é este também o papel que as empresas ocupam e devem ocupar como verdadeira rede de proteção de mulheres vítimas de violência doméstica.
É na empresa que esta mulher vai encontrar respaldo para romper o ciclo da violência. Seja de forma emocional, encontrando apoio para seguir em frente com as colegas de trabalho diário e com seus superiores dando-lhes segurança de que não perderão os empregos, é no caminho do trabalho que elas conseguem passar na Delegacia para formalizar um boletim de ocorrência sem gerar desconfiança por parte do agressor, já que vão ao trabalho todos os dias, é na segurança de receber o salário mensal e poder ser promovida que não se tornam financeiramente independentes – já que a dependência financeira é uma das principais causas para que a mulher não busque ajuda, e é em uma empresa ativa e consciente que elas poderão ouvir, juntamente com os demais colaboradores, que elas são vítimas, e, portanto, não serão julgadas pelos fatos ocorridos em suas residências.
Assim, uma empresa consciente que busca implementar práticas de ESG precisa trazer a pauta da violência doméstica para dentro da sua sede, não só de forma educacional, com rodas de conversas e palestras sobre o tema (e não limitadas, por certo, às datas destinadas para tal, como o mês da mulher, dia 08 de março etc.), mas também de forma ativa, fornecendo apoio médico, psicológico, social ou jurídico, ou outros benefícios que ela esteja necessitando, bem como meios para que ela saiba que ela pode contar com a empresa para esta fase de sua vida, pensando nas diversas intersecções que este tema nos instiga. A mulher colaboradora, portanto, já rompeu uma primeira barreira de acesso estrutural ao mercado de trabalho formal que vivenciamos em nosso país, de modo que é preciso garantir que ela esteja segura em todas as suas dimensões, pessoal e profissional.
“Importante dizer que essa discussão não pode ficar limitada somente às mulheres, pois ela é uma pauta de todos. Discutir violência doméstica no ambiente de trabalho também colabora para que homens entendam o cenário de modo geral, inclusive quebrando padrões estruturais que normalizam violências contra mulheres, no ambiente de trabalho e em casa, fazendo com que reflitam empaticamente a partir deste olhar igualitário que a violência de gênero propõe“, finaliza a advogada.
Adriana Fegyveres
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