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Jogos violentos têm a ver com atos de violência? Especialistas explicam

Não é de hoje que jogos eletrônicos são tratados como “vilões” quando atitudes violentas, e até mesmo criminosas, acontecem no mundo real. A história costuma ser muito parecida: um crime hediondo chama atenção na mídia. Pouco tempo depois, descobre-se que o culpado jogava esse ou aquele jogo de videogame que contém algum nível de violência. A partir disso, cria-se uma causa e consequência pautada nos jogos para justificar o cometimento do crime.

No início de abril de 2023, um evento inacreditável chocou o Brasil. Um criminoso invadiu uma creche em Blumenau, Santa Catarina, e matou 4 crianças. Poucos dias depois, o deputado federal Zé Trovão (PL-SC) enviou um pedido ao Governo Federal para suspender os jogos violentos no país por 30 dias, sob alegação de que havia uma conexão entre o atentado e jogos que apresentam violência.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva também se manifestou sobre a polêmica dos jogos: “não tem game falando de amor. Tem game ensinando a matar”, disse o Presidente da República.

Mas, antes de apontar dedos para uma indústria de entretenimento que existe há mais de 3 décadas, é preciso considerar outros fatores, como: histórico disciplinar, contexto social, escolar e psicológico. Será que os especialistas em educação e análise psicológica concordam que existe uma relação direta entre jogos e comportamento violento?

Jogos eletrônicos x comportamentos violentos

De acordo com Jaime Ribeiro, CEO e co-fundador da Educa, principal edtech brasileira com foco no ensino socioemocional, essa pergunta vem sendo feita por pais e cientistas há aproximadamente vinte anos, e nem mesmo os psicólogos sociais concordam sobre a resposta e os resultados de pesquisas.

O educador lembra que um estudo publicado nos EUA em 2021 apontou que o lançamento de jogos violentos aumenta a criminalidade. O dado mais assustador revelado nesta pesquisa é que o aumento da criminalidade entre jovens é quatro vezes maior (8%) do que entre adultos (2%). Vale lembrar que boa parte dos jogos extremamente violentos são rotulados como inadequados para menores de 17 anos. “Isso não é por acaso”, diz Jaime.

Algumas pesquisas dizem que sim, jogos violentos estimulam a agressividade, contudo, boa parte das meta-análises feitas por diversas universidades ao redor do mundo apontam que a relação não é tão relevante. No entanto, uma nova análise feita entre 2015 e 2020 e publicada na revista ‘Perspectives on Psychological Science’ aponta um resultado muito diferente, não encontrando nenhuma ligação clara entre violência em videogames e agressão em crianças.

O educador complementa: “Particularmente, analisando a forma que o consumo de conteúdos violentos nas redes sociais tem afetado inclusive a harmonia familiar e o respeito entre pessoas que fazem parte da mesma rede de afeto, não precisa de muita estatística para se chegar à conclusão que se uma pessoa tiver tendência a comportamentos violentos, e estiver exposta a jogos que nutrem o cérebro com narrativas violentas, pode se tornar uma pessoa que pratique atos de violência”.

Para a psicopedagoga Elizabeth Monteiro, relação entre violência e jogos eletrônicos é mais direta. Ela afirma que os jogos têm relações com determinadas áreas do cérebro que, muito parecido com o efeito de drogas, podem induzir determinadas atitudes. “Sem dúvida alguma, muitos casos desses ataques e ameaças a escolas estão relacionadas aos jogos violentos. Nos jogos, o desafio é matar. Parece que matar é fácil, uma conquista. Então, isso induz os jovens a esses comportamentos violentos. […] E isso conduz uma mente de adolescente ainda em formação à banalização da morte. Causa excitação no jovem, e ele sente atração por tudo que é perigoso”.

Considerando os dois pontos de vista e as divulgações científicas, podemos assumir que os jogos violentos conseguem estimular a agressividade em jovens que já possuem tendências à violência. Mas o eletrônico não pode ser isoladamente culpabilizado. O educador explica que existem vários fatores que podem ocasionar a violência e até mesmo a delinquência infantil. Segundo ele, culpar os videogames isoladamente é um engano, uma vez que alguns fatores sociais e de convívio podem contribuir para isso, como o histórico de abuso ou negligência, ambiente familiar disfuncional, pressão social, exposição à violência, pobreza, falta de habilidades sociais e transtornos mentais.

A psicopedagoga Elizabeth Monteiro concorda que os jogos não são a única influência, e que um ambiente desestruturado, com disfunções familiares, influencia em comportamentos violentos. A especialista ainda complementa que, do ponto de vista psicológico, existe uma predisposição do jovem a determinados transtornos psíquicos, como o transtorno positivo desafiador e diversas psicopatias, que podem vir de uma questão ambiental e hereditária. Segundo ela, esses comportamentos, somados aos jogos, pesam na influência dos adolescentes e até mesmo na aproximação de ideologias radicais, como o neonazismo.

Do ponto de vista econômico, o Brasil ainda não é uma potência que figura entre os maiores consumidores de jogos eletrônicos, mas nosso mercado é aquecido e cresce a cada ano. Segundo a pesquisa Game Brasil, divulgada em 2022, 3 em cada 4 brasileiros consomem algum jogo eletrônico. O faturamento desse mercado no país chegou a R$12 bilhões em 2021, segundo uma estimativa da Newzoo. A expectativa é de alto crescimento até 2026, o que significa que o brasileiro consome e quer consumir mais jogos eletrônicos. É preciso, portanto, analisar o quanto estes influenciam no nosso comportamento no dia-a-dia.

Jogos como influência

Jaime Ribeiro lembra que o excesso de tempo de exposição às telas pode afetar o desenvolvimento cognitivo e social de crianças e jovens. Mas afirma que não há nenhuma evidência que jogos violentos possuem uma influência maior na formação intelectual de uma criança do que outras mídias amplamente acessíveis, como filmes, séries, telejornais, novelas, redes sociais e vídeos no YouTube.

O que nos leva a questionar se os videogames recebem uma perseguição desproporcional em comparação a outras fontes de conteúdo violento que são divulgadas e consumidas por grande parte da população em fase de formação intelectual.

Segundo Rosely Sayão, psicóloga referência no campo educacional com base em crianças e adolescentes, foram feitos estudos que estudam a relação de jogos eletrônicos no comportamento de jovens, tanto quanto filmes e esportes violentos, e os resultados são sempre antagônicos, ou seja, não há um consenso no campo da ciência.

No entanto, Rosely alerta para os diferentes personagens que estão presentes nesses tipos de jogos. “ Eu, pessoalmente, considero que há possibilidade de aumentar o comportamento agressivo quando jogo eletrônico, por exemplo, simula pessoas. Quando ele é uma ficção – são monstros, guerreiros antigos… Eu até considero que ajuda a criança a depositar no jogo eletrônico a agressividade que tem em si, poupando o ato agressivo na realidade”.

Proibir é o caminho? Para Jaime, não.

Seria mais eficaz fornecer aos jovens oportunidades para lidar com jogos e qualquer outra forma de exposição à violência. A educação socioemocional é um bom caminho. Outra coisa que sempre recomendo é que ao invés de proibir o uso, pais devem acompanhar de perto o uso de redes sociais e jogos para, a partir dessas experiências, identificar se há algum problema social ou psicológico relevante a ser observado”.

Segundo o art. 227 da Constituição Brasileira, o dever de assistir, educar e criar os filhos é atribuído aos pais. Como responsáveis legais e sociais pela formação de uma criança como indivíduo, os pais e responsáveis devem se atentar ao que os filhos consomem na internet, seja um jogo de videogame, uma série de televisão ou um influenciador nas redes sociais. Desse modo, a proibição da venda e consumo de jogos eletrônicos com conteúdo violento pode até parecer uma solução rápida para diminuir a violência entre jovens, mas também pode isentar os pais da responsabilidade de observar se os filhos apresentam problemas psicológicos ou de convívio social. O educador complementa: “A educação sobre o uso responsável de jogos violentos por meio do letramento digital, ajudando na diferenciação entre ficção e realidade, também pode ser uma abordagem mais eficaz do que a proibição”.

Já para Elizabeth, é um passo à frente.

É claro que só a proibição dos jogos de violência não vai diminuir a criminalidade. É preciso haver leis mais severas, vigilância… e paz dentro de casa. Deve haver um controle para a entrada dos jogos eletrônicos. Isso (a proibição destes jogos) não vai diminuir a criminalidade, mas vai dificultar”.

Como os pais e as escolas podem contribuir?

Rosely Sayão aponta que os pais têm grande responsabilidade no monitoramento do que os filhos assistem e jogam. “Os pais que se preocupam com isso devem conhecer jogos. Sé é um jogo que o filho gosta muito e que simula cenas muito violentas ou criminosas, com pessoas humanas, eu acho melhor eles pensarem bem se vale a pena permitir isso. Se eles acham que o filho está aumentando comportamentos agressivos em função de jogos, aí eles devem evitá-los”.

Elizabeth Monteiro afirma que as escolas têm uma função muito importante nessa vigilância. Professores precisam estar preparados para observar determinados comportamentos que são criminosos. “A visão do professor é um detector daquele aluno que está com dificuldades e comportamentos estranhos. Ele precisa chegar nesse aluno, saber como orientá-lo, saber como encaminhá-lo e como lidar com a família. Acolher e orientar”.

O educador Jaime Ribeiro instrui como os pais podem ajudar neste controle: “Compreender que hoje vivemos novos desafios na tarefa de educar é um bom começo. Conversar abertamente sobre as modas violentas e comunidades criminosas que se formam nas redes sociais e grupos de jogos é uma boa forma de mostrar ao filho que somos pais atentos”.

O educador explica que é importante que a hierarquia e sistema familiar sejam respeitados e que horários e protocolos de segurança sejam combinados. Os responsáveis, como líderes do núcleo familiar, precisam promover atividades diversas que tragam experiências diferentes das que se encontram facilmente nas plataformas digitais.

Com base na opinião dos especialistas consultados pela reportagem, podemos concluir que há uma certa relação entre jogos violentos e comportamentos violentos entre jovens, mas não é justo culpar isoladamente os eletrônicos por esses atos. Na sociedade moderna, com acesso fácil e praticamente irrestrito a conteúdos sensíveis, cabe aos pais e às instituições educacionais a missão de acompanhar os filhos de perto e instruir esses jovens quanto à responsabilidade social e, principalmente, a diferenciar ficção de realidade.

Bruno Ignacio de Lima


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